Não se aplica o art. 21 do Marco Civil da Internet para os casos de divulgação não autorizada de imagens de nudez produzidas para fins comerciais, sendo necessária determinação judicial para a remoção do conteúdo

Julgado cobrado na prova do ENAM - 2025.1.

 

Tese fixada (Informativo nº 721 do STJ)

Não se aplica o art. 21 do Marco Civil da Internet para os casos de divulgação não autorizada de imagens de nudez produzidas para fins comerciais, sendo necessária determinação judicial para a remoção do conteúdo.


Ementa

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DIVULGAÇÃO DE FOTOGRAFIAS DE NUDEZ (PRODUZIDAS E CEDIDAS COM FINS COMERCIAIS) SEM O CONSENTIMENTO DA MODELO RETRATADA, EM ENDEREÇOS ELETRÔNICOS DA INTERNET. RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR PARA PROMOVER A RETIRADA DO CONTEÚDO INDICADO A PARTIR DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA TANTO. ART. 21 DO MARCO CIVIL DA INTERNET. INAPLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO DO PROVEDOR DE INTERNET E PREJUDICADO O MANEJADO PELA PARTE DEMANDANTE.

1. Controverte-se sobre a aplicabilidade do disposto no art. 21 do Marco Civil da Internet à hipótese de veiculação de fotografias de nudez (produzidas e cedidas com fins comerciais), em endereços eletrônicos da internet, sem a autorização da modelo fotografada, tampouco da revista a quem o material foi cedido. Discute-se, assim, especificamente, se a responsabilidade do provedor para promover a retirada do conteúdo inicia-se a partir da notificação extrajudicial, a atrair a incidência do art. 21 da Lei n. 12.965/2014, ou se haveria necessidade de ordem judicial, nos termos do art. 19 da citada lei.

2. O art. 21 do Marco Civil da internet traz exceção à regra de reserva da jurisdição estabelecida no art. 19 do mesmo diploma legal, a fim de impor ao provedor, de imediato, a exclusão, em sua plataforma, da chamada "pornografia de vingança" - que, por definição, ostenta conteúdo produzido em caráter particular -, bem como de toda reprodução de nudez ou de ato sexual privado, divulgado sem o consentimento da pessoa reproduzida.

2.1 A motivação da divulgação de materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais, sem a autorização da pessoa reproduzida, se por vingança ou por qualquer outro propósito espúrio do agente que procede à divulgação não autorizada, é, de fato, absolutamente indiferente para a incidência do dispositivo em comento, sobretudo porque, de seu teor, não há qualquer menção a esse fator de ordem subjetiva. Todavia, o dispositivo legal exige, de modo expresso e objetivo, que o conteúdo íntimo, divulgado sem autorização, seja produzido em "caráter privado", ou seja, de modo absolutamente reservado, íntimo e privativo, advindo, daí, sua natureza particular.

2.2 Há, dado o caráter absolutamente privado em que este material foi confeccionado (independentemente do conhecimento ou do consentimento da pessoa ali reproduzida quando de sua produção), uma exposição profundamente invasiva e lesiva, de modo indelével, à intimidade da pessoa retratada, o que justifica sua pronta exclusão da plataforma, a requerimento da pessoa prejudicada, independentemente de determinação judicial para tanto.

2.3 O preceito legal tem por propósito proteger/impedir a "disponibilização, na rede mundial de computadores, de conteúdo íntimo produzido em caráter privado, sem autorização da pessoa reproduzida, independentemente da motivação do agente infrator. Não é, porém, a divulgação não autorizada de todo e qualquer material de nudez ou de conteúdo sexual que atrai a regra do art. 21, mas apenas e necessariamente aquele que apresenta, intrinsecamente, uma natureza privada, cabendo ao intérprete, nas mais variadas hipóteses que a vida moderna apresenta, determinar o seu exato alcance.

2.4 É indiscutível que a nudez e os atos de conteúdo sexuais são inerentes à intimidade das pessoas e, justamente por isso, dão-se, em regra e na maioria dos casos, de modo reservado, particular e privativo. Todavia - e a exceção existe justamente para confirmar a regra - nem sempre o conteúdo íntimo, reproduzido em fotos, vídeos e outro material, apresenta a referida natureza privada.

3. As imagens íntimas produzidas e cedidas com fins comerciais - a esvaziar por completo sua natureza privada e reservada - não se amoldam ao espectro normativo (e protetivo) do art. 21 do Marco Civil da Internet, que excepciona a regra de reserva da jurisdição.

3.1 Sua divulgação, na rede mundial de computadores, sem autorização da pessoa reproduzida, por evidente, consubstancia ato ilícito passível de proteção jurídica, mas não tem o condão de excepcionar a reserva de jurisdição (que se presume constitucional, até declaração em contrário pelo Supremo Tribunal Federal).

3.2 A proteção, legitimamente vindicada pela demandante, sobre o material fotográfico de conteúdo íntimo, produzido comercialmente e divulgado por terceiros sem a sua autorização, destina-se a evitar/reparar uma lesão de cunho primordialmente patrimonial à autora (especificamente, os alegados lucros cessantes) e, apenas indiretamente, a sua intimidade.

4. Recurso especial do Provedor de internet provido. Prejudicado o recurso especial da demandante.

(REsp n. 1.930.256/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 17/12/2021.) Grifo nosso.


Legislação correlata (Lei 12.965/14 - Marco civil da Internet - grifo nosso)

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

(...)

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.


Questão da FGV

Capitu, modelo e influencer digital, decidiu criar uma conta em uma plataforma digital de acesso restrito para compartilhar seus ensaios fotográficos artísticos contendo nudez parcial, destinados exclusivamente a seus assinantes, mediante pagamento de uma mensalidade. A iniciativa foi muito bem-sucedida e a conta de Capitu, em poucas semanas, já tinha milhares de assinaturas, gerando excelente retorno financeiro. 

Alguns meses depois, Capitu foi surpreendida ao ver que algumas de suas fotografias tinham sido retiradas de sua conta na referida plataforma, sem autorização, e publicadas em uma revista online. 

Diante da situação hipotética narrada e de acordo com a legislação vigente e com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, assinale a afirmativa correta. 

(A) Capitu tem direito a solicitar a retirada das fotografias diretamente com o provedor da revista online, sem necessidade de decisão judicial e sob pena de responsabilização civil, com base no direito de imagem e, também, por se tratar de cena de nudez, conforme previsto no Marco Civil da Internet. 

(B) Capitu, devido à publicação não autorizada das suas fotografias pela revista online, somente provando o prejuízo material, poderá pleitear indenização, pois a publicação não autorizada das fotos tinha fins lucrativos. 

(C) Capitu deverá solicitar judicialmente a retirada das suas fotografias da revista online, uma vez que as fotos não se enquadram no conceito adotado pelo Superior Tribunal de Justiça de imagens íntimas de caráter privado. 

(D) Capitu pode solicitar a remoção das fotografias diretamente com o provedor da revista online, mas não tem direito à indenização, pois, ao disponibilizá-las publicamente, consentiu com a reprodução em outros meios e mídias. 

(E) Capitu não pode solicitar a remoção das fotografias, pois, ao disponibilizá-las na plataforma de assinatura, implicitamente, consentiu com a reprodução em outros meios de comunicação e, pela mesma razão, não faz jus à indenização. 

Gabarito: C


Resumo

Regra geral: aplica-se o artigo 19 do MCI, sendo necessária determinação judicial para a remoção do conteúdo.

Exceção: aplica-se o artigo 21 do MCI quando houver a divulgação de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, sem autorização de seus participantes, situação em que basta a notificação extrajudicial do provedor para a remoção do conteúdo (proteção da intimidade).

Observação: Aplica-se o artigo 19 do MCI, sendo necessária determinação judicial para a remoção do conteúdo, para os casos de divulgação não autorizada de imagens de nudez produzidas para fins comerciais (lesão patrimonial com a proteção apenas indireta da intimidade).