O cidadão pode ajuizar ação popular quanto a fatos ocorridos em local diverso daquele em que tem domicílio eleitoral

Julgado cobrado na primeira fase do TJ/RJ para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ

O cidadão pode ajuizar ação popular quanto a fatos ocorridos em local diverso daquele em que tem domicílio eleitoral.


Ementa

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS. IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA.

1. Tem-se, no início, ação popular ajuizada por cidadão residente e eleitor em Itaquaíra/MS em razão de fatos ocorridos em Eldorado/MS.

O magistrado de primeiro grau entendeu que esta circunstância seria irrelevante para fins de caracterização da legitimidade ativa ad causam, posição esta mantida pelo acórdão recorrido - proferido em agravo de instrumento.

2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 1º, caput e § 3°, da Lei n. 4.717/65 e 42, p.

único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ação popular foi movida por eleitor de Município outro que não aquele onde se processaram as alegadas ilegalidades.

3. A Constituição da República vigente, em seu art. 5º, inc. LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho representativo eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas diretas, prevê que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência" (destaque acrescentado).

4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão. A afirmativa é importante porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do cidadão.

5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por título de eleitor.

6. Vê-se, portanto, que a condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas e tão-só meio de prova documental da cidadania, daí porque pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor da ação popular. Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade probatória (sob a lógica tanto da atipicidade como da não-taxatividade dos meios de provas) previsto no art. 332, CPC.

7. O art. 42, p. único, do Código Eleitoral estipula um requisito para o exercício da cidadania ativa em determinada circunscrição eleitoral, nada tendo a ver com prova da cidadania. Aliás, a redação é clara no sentido de que aquela disposição é apenas para efeitos de inscrição eleitoral, de alistamento eleitoral, e nada mais.

8. Aquele que não é eleitor em certa circunscrição eleitoral não necessariamente deixa de ser eleitor, podendo apenas exercer sua cidadania em outra circunscrição. Se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento de ação popular.

9. O indivíduo não é cidadão de tal ou qual Município, é "apenas" cidadão, bastando, para tanto, ser eleitor.

10. Não custa mesmo asseverar que o instituto do "domicílio eleitoral" não guarda tanta sintonia com o exercício da cidadania, e sim com a necessidade de organização e fiscalização eleitorais.

11. É que é entendimento pacífico em doutrina e jurisprudência que a fixação inicial do domicílio eleitoral não exige qualquer vínculo especialmente qualificado do indivíduo com a circunscrição eleitoral em que pretende se alistar (o art. 42, p. único, da Lei n. 4.737/65 exige tão-só ou o domicílio ou a simples residência, mas a jurisprudência eleitoral é mais abrangente na interpretação desta cláusula legal, conforme abaixo demonstrado) - aqui, portanto, dando-se ênfase à organização eleitoral.

12. Ainda de acordo com lições doutrinárias e jurisprudenciais, somente no que tange a eventuais transferências de domicílio é que a lei eleitoral exige algum tipo de procedimento mais pormenorizado, com demonstração de algum tipo de vínculo qualificado do eleitor que pretende a transferência com o novo local de alistamento (v. art. 55 da Lei n. 4.737/65) - aqui, portanto, dando-se ênfase à fiscalização para evitação de fraude eleitoral.

13. Conjugando estas premissas, nota-se que, mesmo que determinado indivíduo mude de domicílio/residência, pode ele manter seu alistamento eleitoral no local de seu domicílio/residência original.

14. Neste sentido, é esclarecedor o Resp 15.241/GO, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 11.6.1999.

15. Se é assim - vale dizer, se não é possível obrigar que à transferência de domicílio/residência siga a transferência de domicílio eleitoral -, é fácil concluir que, inclusive para fins eleitorais, o domicílio/residência de um indivíduo não é critério suficiente para determinar sua condição de eleitor de certa circunscrição.

16. Então, se até para fins eleitorais esta relação domicílio-alistamento é tênue, quanto mais para fins processuais de prova da cidadania, pois, onde o constituinte e o legislador não distinguiram, não cabe ao Judiciário fazê-lo - mormente para restringir legitimidade ativa de ação popular, instituto dos mais caros à participação social e ao controle efetivos dos indivíduos no controle da Administração Pública.

17. Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.242.800/MS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7/6/2011, DJe de 14/6/2011.) Grifo nosso.


Questão da Vunesp

João Carlos é um tradicional político do Município “X”, que, atualmente, está com os seus direitos políticos suspensos em razão de condenação em ação de improbidade administrativa. O atual Prefeito do Município “X” é Jacinto, inimigo de João Carlos há muitos anos e rival político nas últimas eleições. Um pouco antes da sua condenação por improbidade, João Carlos mudou o seu domicílio eleitoral do Município “X” para o Município “Y”, vizinho ao primeiro, por razões desconhecidas, e neste Município “Y” estabeleceu uma empresa jornalística com o único propósito de publicar denúncias e críticas à gestão de Jacinto. Com a proximidade de novas eleições, João Carlos resolve ingressar com ação popular contra Jacinto, alegando a ocorrência de atos de corrupção em sua gestão. Como forma de conferir maior credibilidade e reforçar a ação, João Carlos decide promover a ação em litisconsórcio ativo com a sua sociedade jornalística, estruturada na forma de uma sociedade limitada. 

A respeito dessa situação hipotética, é correto afirmar com base na legislação e jurisprudência nacionais, que: 

(A) a legitimidade ativa para a propositura de ação popular se vincula ao domicílio eleitoral, motivo que afasta a legitimidade de João Carlos para a propositura da ação popular contra Jacinto. 

(B) a ação popular não pode ser promovida contra Jacinto, visto que a ação popular deve sempre ser dirigida às entidades de direito público representadas pelo agente e não aos administradores públicos diretamente. 

(C) o Supremo Tribunal Federal reconhece que as pessoas jurídicas detêm legitimidade para a ação popular, na medida em que gozam de personalidade jurídica e possuem, via de regra, capacidade processual para zelar pelo interesse público. 

(D) a ação popular é isenta de custas e ônus de sucumbência, o que afasta a eventual responsabilidade de João Carlos por tais custos na ação promovida contra Jacinto, ainda que comprovada a sua má-fé. 

(E) por estar com os direitos políticos suspensos em razão de condenação em ação de improbidade administrativa conforme Lei nº 8.429/1992, João Carlos não detém legitimidade para a ação popular.

Gabarito: E