sexta-feira, 6 de junho de 2025

Não é possível a invocação de elementos referentes à vivência sexual pregressa da vítima ou ao seu modo de vida em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e de violência contra a mulher, sob pena de nulidade

Julgados cobrados na segunda fase do TJ/SP para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Tese fixada

Não é possível a invocação, pelas partes ou procuradores, de elementos referentes à vivência sexual pregressa da vítima ou ao seu modo de vida em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e de violência contra a mulher, sob pena de nulidade do ato ou do julgamento.


Ementa

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ALEGADA CONDUTA OMISSIVA E COMISSIVA DO PODER PÚBLICO NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. PROCESSOS DE APURAÇÃO E JULGAMENTO DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. QUESTIONAMENTOS QUANTO AO MODO DE VIDA E À VIVÊNCIA SEXUAL PREGRESSA DA VÍTIMA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ARGUIÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Ofende os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana a perquirição da vítima, em processos apuratórios e julgamentos de crimes contra a dignidade sexual, quanto ao seu modo de vida e histórico de experiências sexuais. 2. A despeito da atuação dos Poderes da República, pela análise dos argumentos postos na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, é de se concluir necessário que este Supremo Tribunal, no exercício de sua competência constitucional, interprete os dispositivos impugnados pelo arguente conforme a Constituição da República, para conferir máxima efetividade aos direitos constitucionalmente postos e coibir a perpetuação de práticas que impliquem na revitimização de mulheres agredidas sexualmente. 3. Arguição julgada procedente para i) conferir interpretação conforme à Constituição à expressão “elementos alheios aos fatos objeto de apuração” posta no art. 400-A do Código de Processo Penal, para excluir a possibilidade de invocação, pelas partes ou procuradores, de elementos referentes à vivência sexual pregressa da vítima ou ao seu modo de vida em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e de violência contra a mulher, sob pena de nulidade do ato ou do julgamento, nos termos dos arts. 563 a 573 do Código de Processo Penal; ii) fica vedado o reconhecimento da nulidade referida no item anterior na hipótese de a defesa invocar o modo de vida da vítima ou a questionar quanto a vivência sexual pregressa com essa finalidade, considerando a impossibilidade do acusado se beneficiar da própria torpeza; iii) conferir interpretação conforme ao art. 59 do Código Penal, para assentar ser vedado ao magistrado, na fixação da pena em crimes sexuais, valorar a vida sexual pregressa da vítima ou seu modo de vida e iv) assentar ser dever do magistrado julgador atuar no sentido de impedir essa prática inconstitucional, sob pena de responsabilização civil, administrativa e penal.

(ADPF 1107, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 23-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 23-08-2024  PUBLIC 26-08-2024) Grifo nosso.


Questão

QUESTÃO 4 

Considere o tema: 

Dever processual de tutela da integridade física e psicológica da vítima na investigação e no julgamento de processos envolvendo crimes sexuais. 

Discorra sobre o tema apresentado e responda as questões a seguir tecendo considerações normativas, doutrinárias e jurisprudenciais. 

1. É legítima a prática de questionar o comportamento e os modos de vida da mulher vítima durante a investigação e o julgamento de processos envolvendo crimes sexuais? 

2. O juiz deve acolher a pretensão da defesa de juntada, aos autos do processo de crime de violência contra a mulher, da certidão de antecedentes criminais da vítima e de boletins de ocorrência em que ela figure como autora ou averiguada? 


Espelho de resposta da banca

"Questionamentos quanto ao modo de vida e à vivência sexual pregressa da vítima durante a investigação e o julgamento de processos envolvendo crimes sexuais e de violência contra a mulher se inserem na vedação (limitação processual) estabelecida pela Lei nº 14.245/2021 às partes e aos sujeitos processuais de “manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos” (arts. 400-A e 474-A do CPP e no art. 81, § 1º-A, da Lei 9099/95).

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1107 (Rel. Min. Carmen Lucia, j. em 23/5/2024, v.u.), conferiu interpretação conforme à Constituição à expressão “elementos alheios aos fatos objeto de apuração” posta no art. 400-A do Código de Processo Penal. Decidiu que a prática de tais questionamentos é inconstitucional, ofende os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e da igualdade entre homens e mulheres (arts. 3º, I e IV; 5º, caput e I; e 226, § 5º, CF), e caracteriza discriminação contra a mulher e violência de gênero, já que com tal prática tenta-se justificar o crime a partir do comportamento da vítima, e implica em sua revitimização no curso do processo penal.

No entendimento do STF, a consequência processual do descumprimento da norma é a nulidade do ato ou do julgamento, nos termos dos arts. 563 a 573 do CPP, pois o juiz tem o dever legal de coibir a prática inconstitucional e de desconsiderar aquela porventura concretizada, inclusive para calcular a pena. Ficou decidida, ainda, a vedação ao reconhecimento da nulidade na hipótese de a defesa invocar o modo de vida da vítima ou a questionar quanto à vivência sexual pregressa com essa finalidade, considerando a impossibilidade do acusado se beneficiar da própria torpeza. 

A prova será ilegítima, eis que obtida com violação da norma processual. 

O descumprimento da norma também acarreta conseqüências extraprocessuais, que foram expressamente estabelecidas na lei às partes e aos demais sujeitos processuais: responsabilidade civil, administrativa e penal. No que pertine ao juiz, como garantidor da integridade física e psicológica da vítima por dever legal, ele será penalmente responsável por omissão (art. 13, § 2º, do Código Penal), como participe da conduta criminosa praticada pela parte, advogados ou Ministério Público, ou por comissão, conduta que poderá tipificar, por exemplo: a) crime de violência psicológica contra a mulher (CP art. 147-B); b) crime do art. 33, caput, da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13869/2019); c) crime de violência institucional (art. 15-A da Lei nº 13.869/2019); d) Calúnia, Difamação e Injúria.

Nesse contexto, voltado a proteger a integridade física e psicológica da vítima nos crimes cometidos no âmbito da violência doméstica e contra a mulher, de relevo outra decisão do STF, que julgou parcialmente procedente a ADPF nº 779 (rel. Min. Dias Tóffoli, j. 1º/8/2023, v.u.) para “firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF), da proteção da vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF)” e “conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 23, inciso II, ao art. 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa”. 


Legislação correlata (CPP)

Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:       (Incluído pela Lei nº 14.245, de 2021)    (Vide ADPF 1107)

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;        (Incluído pela Lei nº 14.245, de 2021)

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.       (Incluído pela Lei nº 14.245, de 2021)

Os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do ECA são autônomos, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes

Julgados cobrados na segunda fase do TJ/SP para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Tese fixada

"Os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que o crime do art. 241-B não configura fase normal, tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes."


Ementa

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO DA AMPLA DEFESA E DE INVIABILIDADE DE CONHECIMENTO DO RECURSO AFASTADAS. ARTS. 241-A E 241-B DO ECA. ARMAZENAR E COMPARTILHAR IMAGENS E VÍDEOS DE PORNOGRAFIA INFANTIL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONDUTAS AUTÔNOMAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDO.

1. Recurso representativo de controvérsia, para atender ao disposto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e na Resolução STJ n. 8/2008.

2. Delimitação da controvérsia: "Os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que o crime do art. 241-B não configura fase normal tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes".

3. TESE: "Os tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente são autônomos, com verbos e condutas distintas, sendo que o crime do art. 241-B não configura fase normal, tampouco meio de execução para o crime do art. 241-A, o que possibilita o reconhecimento de concurso material de crimes".

4. Não existe violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa se os documentos existentes nos autos permitem depreender que a defesa do réu foi devidamente intimada para apresentar contrarrazões ao recurso especial e deixou transcorrer in albis o prazo para sua manifestação.

5. Conforme orientação remansosa desta Corte, "não há violação à Súmula 7 desta Corte quando a decisão se limita a revalorar juridicamente as situações fáticas constantes da sentença e do acórdão recorridos" (AgRg no REsp n. 1.444.666/MT, Sexta Turma Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/8/2014). Caso dos autos.

6. Os tipos penais trazidos nos arts. 241 e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, descrevem condutas autônomas, uma vez que o crime no art. 241-B não configura fase normal nem meio de execução para o crime do art. 241. De fato, é possível que alguém divulgue conteúdo pornográfico infanto-juvenil sem efetuar armazenamento, como pode realizar o armazenamento sem a divulgação, o que demonstra a autonomia das condutas, impedindo a aplicação do princípio da consunção.

Reforça a noção de autonomia das condutas o fato de que, não raras vezes, evidencia-se diferença entre o conteúdo dos arquivos/dados armazenados e o conteúdo daqueles divulgados e/ou a ausência de correspondência entre a quantidade armazenada e a quantidade compartilhada. O mesmo se pode dizer da situação em que o armazenamento ocorre após a divulgação/compartilhamento de arquivos de imagens/vídeos.

7. CASO CONCRETO: Situação em que o Tribunal a quo reconheceu a existência de subsidiariedade entre o art. 241-B e o art. 241-A da Lei 8.069/90, mantendo a condenação apenas quanto ao delito do art. 241-A da Lei n. 8.069/90.

Entretanto, o voto vencedor do acórdão recorrido consignou expressamente que o laudo pericial criminal identificou discrepância entre a quantidade de arquivos digitais contendo imagens de nudez e sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes existentes no computador do réu e a quantidade de arquivos por ele compartilhados, existindo mais arquivos compartilhados do que armazen ados, o que reforça a noção de que o armazenamento não constituiu meio para a divulgação.

Delineada no acórdão recorrido a ausência de correspondência entre a quantidade armazenada de arquivos e a quantidade compartilhada, não há se falar em consunção, estando devidamente demonstrada a autonomia de cada conduta, apta a configurar o concurso material de crimes.

8 . Recurso especial do Ministério Público Federal provido, para cassar o acórdão recorrido na parte em que aplica o princípio da subsidiariedade/consunção entre as condutas descritas no art. 241-B e no art. 241-A da Lei 8.069/90, restabelecendo, in totum, a sentença condenatória que reconheceu a existência de concurso material entre os delitos.

(REsp n. 1.970.216/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 3/8/2023, DJe de 8/8/2023.) Grifo nosso.


Legislação correlata

Art. 241-A.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

(...)

 Art. 241-B.  Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)


Questão

QUESTÃO 1 
A Lei no 11.829/08 alterou Estatuto da Criança e do Adolescente, para incluir, entre outros, os crimes do artigo 241-A e do artigo 241-B. Diante disso, analise os dois dispositivos com base nas questões abaixo colocadas, justificando suas conclusões. 
a) Objeto jurídico. Diferenças e semelhanças entre os tipos penais. Consumação. Exclusão da ilicitude; 
b) Transnacionalidade e suas consequências; 
c) Concurso de crimes; 
d) Conceito de cenas de sexo explícito ou pornográfico e seu alcance; 
e) Benefícios legais cabíveis. 


Espelho de correção da banca

"3 – Ainda que anteriormente houvesse alguma discussão, sobre a possibilidade de absorção do crime menos grave (art. 241-B) pelo mais grave (art. 241-A), a questão, agora, está pacificada. Segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, não tem aplicação o princípio da consunção entre os dois crimes, principalmente se não há identidade entre os conteúdos armazenados e transmitidos, quando, por exemplo, em tese, poderia haver único crime. Na verdade, então, são delitos autônomos, pois o art. 241-B não é meio necessário para a prática do delito do art. 241- A (Tema 1168, STJ). (valor 0,3)"

Se o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes ficava disponível a usuários indefinidos e ilimitados, inclusive no estrangeiro, a competência para julgamento é da Justiça Federal

Julgados cobrados na segunda fase do TJ/SP para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Teses fixadas

"Se o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes ficava disponível a usuários indefinidos e ilimitados, inclusive no estrangeiro, bastando que instalassem o aludido programa em seus dispositivos eletrônicos, para que tivessem acesso ao conteúdo pornográfico, a competência é da Justiça Federal."

A competência é da Justiça Estadual no caso em que "não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil."


Ementa

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 241-A E 241-B DA LEI N. 8.069/1990. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL, VIA PROGRAMA P2P (PEER TO PEER), COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES. CONTEÚDO ACESSÍVEL A USUÁRIOS INDEFINIDOS E ILIMITADOS, INCLUSIVE NO ESTRANGEIRO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DELITOS DO ART. 240 DO ECA E DO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. EVENTUAL PRÁTICA. CONEXÃO PROCESSUAL EVIDENCIADA. SÚMULA N. 122 DO STJ. INCIDÊNCIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE.

1. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o leading case referente ao Tema n. 393 do regime da repercussão geral, firmou a tese de que "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores".

2. De acordo com a orientação firmada pelo Pretório Excelso, "[b]asta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu".

3. No caso concreto, segundo a denúncia, para compartilhar as fotos contendo o material pedopornográfico, o Acusado se utilizava do programa P2P (Peer-to-Peer), o qual, conforme a peça acusatória, tem como uma das principais características o fato de que  "todos os arquivos existentes na pasta compartilhada do computador membro estarão 'visíveis' para os demais componentes da rede".

4. Se os arquivos ficavam disponíveis a usuários indefinidos e ilimitados, inclusive no estrangeiro, bastando que instalassem o aludido programa em seus dispositivos eletrônicos, para que tivessem acesso ao conteúdo pornográfico, a competência é da Justiça Federal.

5. No caso concreto, não obstante inexista formalmente a imputação dos crimes do art. 240 da mesma Lei e também do art. 217-A do Código Penal, o afastamento da competência da Justiça Federal não se mostra possível. Os elementos probatórios que podem eventualmente surgir, ou a melhor análise, durante a instrução, daqueles que já foram produzidos, assinalam a configuração, no caso, da conexão processual com os crimes praticados por R. A. V., em relação aos quais o Juízo Federal reconheceu a sua competência (arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente). Aplicação da Súmula n. 122 do Superior Tribunal de Justiça.

6. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DA 3.ª VARA FEDERAL DE CAMPO GRANDE - SJ/MS, o Suscitante.

(CC n. 173.960/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14/10/2020, DJe de 21/10/2020.) Grifo nosso.


Tema de repercussão geral nº 393 do STF

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). COMPETÊNCIA. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE IMAGENS COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. DELITO COMETIDO POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). INTERNACIONALIDADE. ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente. 2. O Brasil pune a prática de divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico, conforme art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Além de signatário da Convenção sobre Direitos da Criança, o Estado Brasileiro ratificou o respectivo Protocolo Facultativo. Em tais acordos internacionais se assentou a proteção à infância e se estabeleceu o compromisso de tipificação penal das condutas relacionadas à pornografia infantil. 4. Para fins de preenchimento do terceiro requisito, é necessário que, do exame entre a conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido, se extraia o atributo de internacionalidade dessa relação. 5. Quando a publicação de material contendo pornografia infanto-juvenil ocorre na ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet, a constatação da internacionalidade se infere não apenas do fato de que a postagem se opera em cenário propício ao livre acesso, como também que, ao fazê-lo, o agente comete o delito justamente com o objetivo de atingir o maior número possível de pessoas, inclusive assumindo o risco de que indivíduos localizados no estrangeiro sejam, igualmente, destinatários do material. A potencialidade do dano não se extrai somente do resultado efetivamente produzido, mas também daquele que poderia ocorrer, conforme própria previsão constitucional. 6. Basta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu. 7. A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil. 8. Não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil. Evidenciado que o conteúdo permaneceu enclausurado entre os participantes da conversa virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado. 9. Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores”. 10. Recurso extraordinário desprovido.

(RE 628624, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29-10-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-062  DIVULG 05-04-2016  PUBLIC 06-04-2016) Grifo nosso.


Questão

A Lei no 11.829/08 alterou Estatuto da Criança e do Adolescente, para incluir, entre outros, os crimes do artigo 241-A e do artigo 241-B. Diante disso, analise os dois dispositivos com base nas questões abaixo colocadas, justificando suas conclusões. 

a) Objeto jurídico. Diferenças e semelhanças entre os tipos penais. Consumação. Exclusão da ilicitude; 

b) Transnacionalidade e suas consequências; 

c) Concurso de crimes; 

d) Conceito de cenas de sexo explícito ou pornográfico e seu alcance; 

e) Benefícios legais cabíveis.


Espelho de resposta da banca

"2 – Transnacionalidade é a capacidade das condutas gerarem efeitos além das fronteiras do Brasil. Vale dizer, na medida em que os crimes acontecem pela rede mundial de computadores, ainda que praticados em território nacional, é possível que alguém e um número indeterminado de pessoas, tenham acesso às imagens pornográficas no exterior. Isso traz como consequência, a mudança da competência para o processamento e julgamento da ação penal que envolve a apuração de ambos os tipos penais. Segundo cristalizado na jurisprudência dos Tribunais superiores, a competência será fixada de acordo com a forma em que inseridas e divulgadas as imagens. Portanto, será da justiça federal a competência, quando as condutas de qualquer dos dois crimes forem feitas a partir da rede mundial de computadores, justamente porque acessível a qualquer pessoa, mesmo fora o território nacional. É irrelevante que esse acesso tenha sido comprovado. Por outro lado, se não for possível esse acesso por pessoas indeterminadas, a competência será da Justiça Estadual (STF, REsp nº 628624, Tribunal Pleno, relator para o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2015, REsp 612030 Ag-R-ED, 2ª Turma, relator Min. Dias Toffoli; STJ, CC 173.960-MS, 3ª Seção, rel. Min. Laurita Vaz. (valor 0,4)" 

quinta-feira, 5 de junho de 2025

É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Tese fixada

"É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens."


Ementa

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. NULIDADE. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. FASE POLICIAL. NÃO JUDICIALIZADO. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS SUBSEQUENTES. PROVAS INSUFICIENTES, AINDA QUE RECONHECIDAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Na presente hipótese, a justiça castrense condenou 4 policiais militares a penas entre 48 e 80 anos de reclusão pela prática de corrupção passiva, por diversas vezes, com o fundamento de que recebiam valores de traficantes do Comando Vermelho para que não obstassem suas atividades. O ora agravado foi absolvido por maioria de votos pela Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro.

2. Em recurso de apelação, o TJRJ condenou o agravado a 29 anos de reclusão, no regime inicial fechado, por entender ter ele participado de ao menos 6 arrecadações dos valores.

3. O agravado foi denunciado como participante do esquema criminoso Comando Vermelho. Um dos acusados, após descrever as características físicas, reconheceu o agravado por meio de fotografia enviada por aplicativo de mensagens. Como consequência, foi realizada busca e apreensão na residência do agravado, onde encontraram R$ 66.000,00 (sessenta e seis mil reais) em espécie, bem como realizada quebra de sigilo telefônico, ocasião em que se constatou que ele entrou em contato com outros corréus.

4. Ora, claramente irregular o reconhecimento fotográfico realizado em aparelho celular por meio de aplicativo de mensagens, mormente considerado não ter sido repetido o reconhecimento em juízo, nulidade que contaminaria as provas subsequentes obtidas.

Precedentes.

5. Ainda que se entenda que a mera irregularidade não contaminaria as demais provas, é de se consignar que a condenação em segundo grau foi lastreada nesse reconhecimento fotográfico - expressamente citado no voto condutor do acórdão por 3 vezes -, no encontro de numerários na residência do ora agravado e em 3 contatos telefônicos entre ele e outros agentes policiais, os quais, lembre-se, eram colegas de farda, sendo 4 deles lotados no BOPE, o que torna o conjunto probatório deveras frágil.

6. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AgRg no HC n. 817.270/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/8/2024, DJe de 14/8/2024.) Grifo nosso.


Informações do inteiro teor

"Como consabido, a apresentação de fotografia pelo método show up é ensejadora de erros de reconhecimento e até de contaminação da memória do depoente. A situação é agravada quando o mesmo acusado que realizou o reconhecimento informal o negou em juízo.

Sobre o tema, a Sexta Turma do STJ firmou recentemente novo entendimento de que o regramento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal é de observância obrigatória, e ainda assim não prescinde de corroboração por outros elementos indiciários submetidos ao crivo do contraditório na fase judicial.

Com tal entendimento, objetiva-se a mitigação de erros judiciários gravíssimos que, provavelmente, resultaram em diversas condenações lastreadas em acervo probatório frágil, como o mero reconhecimento fotográfico de pessoas em procedimentos crivados de vícios legais e até psicológicos - dado o enviesamento cognitivo causado pela apresentação irregular de fotografias escolhidas pelas forças policiais -, que acabam por contaminar a memória das vítimas, circunstância que reverbera até a fase judicial e torna inviável posterior convalidação em razão do viés de confirmação.

Nessa linha, a Sexta Turma desta Corte chegou ao consenso de que o prévio reconhecimento do réu por fotografia acaba por contaminar a memória da vítima, inviabilizando sua convalidação pelo posterior reconhecimento pessoal em juízo.

No caso, o reconhecimento foi realizado de forma absolutamente irregular, qual seja, apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens a um dos acusados que, posteriormente, em juízo, negou as afirmações e foi absolvido das imputações de tráfico de drogas que lhe recaíam. Logo, tal prova é imprestável para utilização no feito, bem como as dela decorrentes, por aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados.

Por fim, a acusação não logrou êxito em demonstrar que os valores recolhidos na residência do réu seriam oriundos da atividade ilícita, ao contrário, inverteram o ônus da prova ao acusado para que comprovasse a origem lícita dos recursos, em afronta ao princípio acusatório no sistema processual penal brasileiro, que é mitigado tão somente em casos excepcionais, quando da apreensão com o réu de bens comprovadamente ilícitos, como no caso da receptação."


Questão da FGV

Em uma sexta-feira à noite, os amigos PEDRO, HENRIQUE e THOMAS, desprovidos de fundos para o ingresso em uma badalada casa noturna da capital, articulam um plano para conseguir dinheiro rapidamente. PEDRO menciona que ouviu seu cunhado, ALFREDO, reclamar há poucos dias que o sistema das câmeras de segurança da farmácia 24 horas na qual cumpria expediente noturno tinha estragado há tempos e o dono nada fazia. Disse, ainda, que, naquela noite, ALFREDO não estaria trabalhando, pois ele e sua irmã tinham planejado ir à mesma casa noturna. O trio então deu início à empreitada, PEDRO e HENRIQUE pilotando suas motos e THOMAS na garupa. Apenas tomando a precaução de vestir os capuzes de suas blusas de moletom, entraram no estabelecimento: THOMAS e HENRIQUE na frente, cada qual empunhando uma arma de fogo e dando voz de assalto, e PEDRO ficando junto à porta. Surpreendentemente, ALFREDO estava trabalhando, reconheceu prontamente o cunhado e inclusive vocalizou isso, gritando seu nome, o que levou os três a fugir em disparada levando umas poucas notas de real. ALFREDO acionou a Polícia Militar para reportar o roubo, atribuindo a autoria ao cunhado PEDRO, acompanhado de dois indivíduos que não conhecia, e dando informações de onde o primeiro poderia ser localizado. PEDRO foi preso em flagrante, sendo-lhe concedida liberdade provisória mediante medidas cautelares diversas da prisão em audiência de custódia. No depoimento prestado ainda na lavratura do auto de prisão em flagrante, ALFREDO, instado pelo Delegado, deu todas as características dos outros dois autores que conseguiu se recordar, além de descrever com minúcia toda a dinâmica dos fatos. Após a soltura e a pedido do Ministério Público, baixaram os autos do procedimento à Delegacia de Polícia para a continuidade das investigações. Analisando as redes sociais de PEDRO, que não tinha nenhum antecedente criminal, os agentes notaram, entre os muitos amigos que apareciam nas fotos, dois em particular, já conhecidos da força pública: HENRIQUE e AUGUSTO. Chamaram então ALFREDO ao distrito policial e a ele mostraram fotografia, extraída da rede social de PEDRO, em que ele aparecia com HENRIQUE e AUGUSTO, sendo que ALFREDO prontamente e sem qualquer dúvida reconheceu HENRIQUE. Passadas algumas semanas, THOMAS foi preso em flagrante praticando um roubo com modus operandi muito semelhante ao aqui narrado na mesma vizinhança, pelo que o Delegado convocou ALFREDO mais uma vez para o reconhecimento. Desta vez, THOMAS foi alinhado em sala própria com mais 4 pessoas parecidas e, após receber todas as instruções da autoridade policial, reconheceu THOMAS com 85% de certeza. O procedimento foi registrado em audiovisual. Concluídas as investigações, foram PEDRO, HENRIQUE e THOMAS indiciados e denunciados. Na ação penal, os três arguiram a nulidade dos reconhecimentos: a defesa de PEDRO argumentou não ter passado ele por nenhum procedimento nesse sentido; a defesa de HENRIQUE argumentou que o reconhecimento por fotografia carece de amparo legal e a defesa de THOMAS argumentou que não foi cumprido o procedimento corretamente, pois a vítima não descreveu a pessoa a ser reconhecida antes do alinhamento. 

Com base no texto acima, discorra acerca da melhor solução jurídica no enfrentamento dessas teses defensivas pelo magistrado. 

Tenha em mente que se espera do candidato a demonstração de domínio dos fundamentos constitucionais, normativos e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema e não a mera reprodução em si de texto de lei e de norma.

Aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC quanto a pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Teses fixadas

"Em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC." 

"O termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento."


Ementa

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO MANEJADA SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. ÚLTIMO DESCONTO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento, ante os termos do Enunciado Administrativo n.º 3, aprovado pelo Plenário do STJ, na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC.

3. "O termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência da Súmula n.º 83 do STJ.

4. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp n. 2.008.501/MS, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 10/5/2023.) Grifo nosso.


Questão

Questão 3 – Direito do Consumidor e Processo Civil 

MARIA DA SILVA, aposentada, ingressou com Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica cumulada com pedido de Restituição de Valores e de Indenização por Danos Morais, na Vara Cível da Comarca de Palhoça/SC, contra a INSTITUIÇÃO FINANCEIRA XYZ alegando, em apertada síntese, que teve descontos em seus benefícios previdenciários sem que houvesse realizado qualquer contratação de empréstimo consignado. MARIA recebe o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) de benefício previdenciário. Os descontos indevidos, que ocorrem desde abril de 2021, foram no valor de R$ 80,00 (oitenta reais) por mês, o que representa 4% (quatro por cento) da sua aposentadoria. Diante desta situação, MARIA requereu, por meio de uma ação consumerista, a declaração de inexistência da contratação do empréstimo consignado, a devolução em dobro dos valores ilegalmente descontados e, ainda, o dano moral em virtude do abalo anímico sofrido. A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA XYZ apresentou contestação afirmando que houve legalidade nos procedimentos internos do empréstimo consignado e a conformidade com normas do INSS e Banco Central, alegando que o desconto seguiu as diretrizes exigidas por esses órgãos. Ademais, alegou que, caso fosse reconhecida a ilegalidade da contratação, que a restituição dos valores deveria se dar na forma simples e não em dobro, e que seria incabível o dano moral. 

Diante desta situação concreta, ficando comprovado que efetivamente não houve a contratação do empréstimo consignado pela autora, fundamentando na legislação e nos entendimentos atuais do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, responda objetivamente: 

• É devida a devolução em dobro dos valores descontados ilegalmente? Explique. 

• É presumido o dano moral nesses casos? Explique. 

• Qual o prazo prescricional e o termo inicial da contagem deste prazo?

A fraude bancária, ensejadora da contratação de empréstimo, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, havendo necessidade de estar aliada a circunstâncias agravantes

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Tese fixada

"A fraude bancária, ensejadora da contratação de empréstimo, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, havendo necessidade de estar aliada a circunstâncias agravantes."


Ementa

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO DO INSS. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA. REJEITADA A VIOLAÇÃO AOS ARTS. 186, 927 E 944 DO CÓDIGO CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. Agravo interno contra decisão da Presidência que não conheceu do agravo em recurso especial, em razão da intempestividade.

Reconsideração.

2. "Nos termos da orientação firmada nesta Corte, a fraude bancária, ensejadora da contratação de empréstimo, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, havendo necessidade de estar aliada a circunstâncias agravantes. Precedentes" (AgInt no AREsp 2.149.415/MG, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 1º/6/2023).

3. No caso, o eg. Tribunal de Justiça, reformando parcialmente a sentença, deu parcial provimento à apelação da instituição financeira, ora agravada, para afastar sua condenação ao pagamento de danos morais à ora agravante, sob o fundamento de que, a despeito da conduta do banco réu e dos descontos no benefício previdenciário da autora no valor de R$ 15,26, não se verificou nenhum prejuízo a direito da personalidade, de modo que os fatos narrados na inicial configuram-se como mero dissabor e aborrecimento cotidianos.

4. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência desta eg. Corte, o apelo nobre encontra óbice na Súmula 83/STJ, a qual é aplicável tanto pela alínea a como pela alínea c do permissivo constitucional.

5. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.

(AgInt no AREsp n. 2.390.876/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 31/3/2025, DJEN de 10/4/2025.) Grifo nosso.


Questão

Questão 3 – Direito do Consumidor e Processo Civil 

MARIA DA SILVA, aposentada, ingressou com Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica cumulada com pedido de Restituição de Valores e de Indenização por Danos Morais, na Vara Cível da Comarca de Palhoça/SC, contra a INSTITUIÇÃO FINANCEIRA XYZ alegando, em apertada síntese, que teve descontos em seus benefícios previdenciários sem que houvesse realizado qualquer contratação de empréstimo consignado. MARIA recebe o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) de benefício previdenciário. Os descontos indevidos, que ocorrem desde abril de 2021, foram no valor de R$ 80,00 (oitenta reais) por mês, o que representa 4% (quatro por cento) da sua aposentadoria. Diante desta situação, MARIA requereu, por meio de uma ação consumerista, a declaração de inexistência da contratação do empréstimo consignado, a devolução em dobro dos valores ilegalmente descontados e, ainda, o dano moral em virtude do abalo anímico sofrido. A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA XYZ apresentou contestação afirmando que houve legalidade nos procedimentos internos do empréstimo consignado e a conformidade com normas do INSS e Banco Central, alegando que o desconto seguiu as diretrizes exigidas por esses órgãos. Ademais, alegou que, caso fosse reconhecida a ilegalidade da contratação, que a restituição dos valores deveria se dar na forma simples e não em dobro, e que seria incabível o dano moral. 

Diante desta situação concreta, ficando comprovado que efetivamente não houve a contratação do empréstimo consignado pela autora, fundamentando na legislação e nos entendimentos atuais do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, responda objetivamente: 

• É devida a devolução em dobro dos valores descontados ilegalmente? Explique. 

• É presumido o dano moral nesses casos? Explique. 

• Qual o prazo prescricional e o termo inicial da contagem deste prazo?


Julgado distinto (fraude bancária e vazamento de dados pessoais)

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. FRAUDE BANCÁRIA. ATUAÇÃO CRIMINOSA. VAZAMENTO PRÉVIO DE DADOS PESSOAIS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. PRESUMIDOS. SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA. REFORMA DO

 ACÓRDÃO

I. Hipótese em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão que condenou a instituição bancária a ressarcir os prejuízos materiais, mas afastou a indenização por danos morais em demanda consumerista.

II. Questão em discussão 

2. O propósito recursal consiste em decidir se a fraude bancária decorrente do vazamento de dados pessoais do consumidor configura dano moral presumido.

III. Razões de decidir 

3. Embora a fraude bancária, por si só, não configure o dano moral indenizável, nos termos da jurisprudência desta Corte, quando o referido ilícito estiver associado ao prévio vazamento de dados pessoais - que possibilitaram aos falsários o conhecimento de informações privilegiadas sobre o titular da conta - caracteriza-se o dano extrapatrimonial, com o consequente dever de compensá-lo.

4. A configuração do dano moral decorre do evidente sentimento de insegurança experimentado pela parte ao perceber que seus dados foram disponibilizados indevidamente para terceiros, favorecendo a prática de atos ilícitos ou contratações fraudulentas por eventuais terceiros de má-fé.

5. No recurso sob julgamento, há o dever de compensar o dano extrapatrimonial experienciado pela recorrente, uma vez que consta incontroverso no acórdão estadual que a consumidora foi vítima de fraude ("golpe do boleto"), a qual foi viabilizada pelo vazamento de dados sigilosos acerca de suas operações bancárias pela instituição financeira (indicação exata do valor e quantidade de parcelas vincendas e número da placa do veículo financiado) aos agentes criminosos.

IV. Dispositivo 6. Recurso especial conhecido e provido para condenar o recorrido ao pagamento de compensação por danos morais.

Dispositivos citados: art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e arts. 186 e 927 do Código Civil.

(REsp n. 2.187.854/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/5/2025, DJEN de 13/5/2025.) Grifo nosso.

A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Destaque (Informativo nº 803 do STJ)

"A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo."


Ementa

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS.

HISTÓRICO DA DEMANDA

1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.

DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2. Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo.

 DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ

3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021.).

Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. 

modulação dos efeitos".

MODULAÇÃO DOS EFEITOS

4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão".

5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12.2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021).

6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS.

Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante.

CONCLUSÃO

8. Embargos de Divergência não providos.

(EAREsp n. 1.501.756/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/2/2024, DJe de 23/5/2024.) Grifo nosso.


Questão

Questão 3 – Direito do Consumidor e Processo Civil 

MARIA DA SILVA, aposentada, ingressou com Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica cumulada com pedido de Restituição de Valores e de Indenização por Danos Morais, na Vara Cível da Comarca de Palhoça/SC, contra a INSTITUIÇÃO FINANCEIRA XYZ alegando, em apertada síntese, que teve descontos em seus benefícios previdenciários sem que houvesse realizado qualquer contratação de empréstimo consignado. MARIA recebe o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) de benefício previdenciário. Os descontos indevidos, que ocorrem desde abril de 2021, foram no valor de R$ 80,00 (oitenta reais) por mês, o que representa 4% (quatro por cento) da sua aposentadoria. Diante desta situação, MARIA requereu, por meio de uma ação consumerista, a declaração de inexistência da contratação do empréstimo consignado, a devolução em dobro dos valores ilegalmente descontados e, ainda, o dano moral em virtude do abalo anímico sofrido. A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA XYZ apresentou contestação afirmando que houve legalidade nos procedimentos internos do empréstimo consignado e a conformidade com normas do INSS e Banco Central, alegando que o desconto seguiu as diretrizes exigidas por esses órgãos. Ademais, alegou que, caso fosse reconhecida a ilegalidade da contratação, que a restituição dos valores deveria se dar na forma simples e não em dobro, e que seria incabível o dano moral. 

Diante desta situação concreta, ficando comprovado que efetivamente não houve a contratação do empréstimo consignado pela autora, fundamentando na legislação e nos entendimentos atuais do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, responda objetivamente: 

• É devida a devolução em dobro dos valores descontados ilegalmente? Explique. 

• É presumido o dano moral nesses casos? Explique. 

• Qual o prazo prescricional e o termo inicial da contagem deste prazo?

É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.

 

Destaque (Informativo nº 704 do STJ)

"É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato."


Ementa

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL COM CLÁUSULA DE RESOLUÇÃO EXPRESSA - INADIMPLEMENTO DO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR QUE NÃO EFETUOU O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES AJUSTADAS - MORA COMPROVADA POR NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL E DECURSO DO PRAZO PARA A PURGAÇÃO - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO REINTEGRATÓRIO REPUTANDO DESNECESSÁRIO O PRÉVIO AJUIZAMENTO DE DEMANDA JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO CONTRATUAL - INSURGÊNCIA DO DEVEDOR - RECLAMO DESPROVIDO.

Controvérsia: possibilidade de manejo de ação possessória fundada em cláusula resolutiva expressa decorrente de inadimplemento de contrato de compromisso de compra e venda imobiliária, sem que tenha sido ajuizada, de modo prévio ou concomitante, demanda judicial objetivando rescindir o ajuste firmado.

Violação ao artigo 535 do CPC/73 inocorrente na espécie, pois a Corte local procedeu à averiguação de toda a matéria reputada necessária ao deslinde da controvérsia, apenas não adotou a mesma compreensão almejada pela parte, acerca da resolução da lide, o que não enseja omissão ou contradição no julgado.

A ausência de enfrentamento da matéria objeto da controvérsia pelo Tribunal de origem, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento, atraindo o enunciado da Súmula 211/STJ, notadamente quando a parte não cuidou de alegar negativa de prestação jurisdicional no ponto, isto é, ao indicar a violação do artigo 535 do CPC/73, não suscitou a existência de omissão do acórdão recorrido na análise dos dispositivos.

Inexiste óbice para a aplicação de cláusula resolutiva expressa em contratos de compromisso de compra e venda, porquanto, após notificado/interpelado o compromissário comprador inadimplente (devedor) e decorrido o prazo sem a purgação da mora, abre-se ao compromissário vendedor a faculdade de exercer o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.

Impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge o texto da lei e a verdadeira intenção legislativa.

A revisão do valor estabelecido a título de honorários nos termos do artigo 20, § 4º do CPC/73, só é permitido quando o montante fixado se mostrar ínfimo ou exorbitante, o que não se verifica no caso em exame, levando-se em conta a complexidade da causa, o trabalho realizado pelo causídico e o valor envolvido na demanda, circunstâncias segundo as quais o reexame implicaria em revolvimento do conjunto fático dos autos, providência vedada ao STJ ante o óbice contido no enunciado 7 da Súmula desta Casa.

Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, desprovido.

(REsp n. 1.789.863/MS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 4/10/2021.) Grifo nosso.


Questão da FGV

Questão 2 – Direito Civil e Processo Civil 

JOSÉ DO AMARAL propôs ação de reintegração de posse contra JOÃO DA PAZ, envolvendo gleba de terras de 1.544,44 hectares, parte integrante da Fazenda Paz de Espírito. Na exordial aduziu, em síntese, ser proprietário do imóvel indicado e ter celebrado com o demandado, na data de 11.12.2019, mediante instrumento particular, um compromisso de compra e venda sobre o referido bem pelo preço de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), tendo sido acordado que o pagamento se daria em 8 parcelas de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), sendo a primeira a vencer uma semana após o dia da assinatura do contrato e as demais nas datas combinadas. Narrou que o adquirente não procedeu ao pagamento de nenhuma das parcelas ajustadas. Asseverou que, em razão da mora do comprador, após diversas tentativas frustradas de composição amigável, procedeu à notificação extrajudicial do requerido no dia 23.10.2020, oportunidade na qual comunicou acerca da resilição, consoante previsto na cláusula 3 do contrato entabulado. Aduziu, porém, que o demandado se recusava a desocupar a área ou a adimplir o ajuste, caracterizando, assim, o esbulho, dada a posse precária exercida. Após citação por carta precatória e audiência de justificação/conciliação infrutífera, o demandado apresentou contestação, alegando, em síntese, que o inadimplemento de todas as parcelas avençadas ocorreu por fato externo e alheio à vontade. 

Diante do caso concreto, fundamentando na legislação e entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, responda objetivamente: 

• É possível o manejo de ação possessória fundada em cláusula resolutiva expressa decorrente de inadimplemento de contrato de compromisso de compra e venda imobiliária sem que tenha sido ajuizada, de modo prévio ou concomitante, demanda judicial objetivando rescindir o ajuste firmado? 

• No caso concreto, indique a tutela provisória passível de concessão, bem como suas características? 

• Há possibilidade de fungibilidade entre as tutelas provisórias?

É inconstitucional a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, quando este for o único fundamento para sua eliminação no certame

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/MT para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada no Tema de Repercussão nº 1.190 do STF

"É inconstitucional, por violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF, artigo 1º, III e IV), a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado (CF, artigo 15, III), quando este for o único fundamento para sua eliminação no certame, uma vez que é obrigatoriedade do Estado e da sociedade fornecer meios para que o egresso se reintegre à sociedade. O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao término da pena ou à decisão judicial."


Ementa

Ementa: PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO (ARTIGO 1º, III e IV). A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS POR CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO (ARTIGO 15, III, DA CF/1988) NÃO AFASTA A POSSIBILIDADE DE POSSE DO APENADO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO. RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO COMO UMA DAS FINALIDADES DA PENA. POSSIBILIDADE DE INVESTIDURA NO CARGO, CUJO EXERCÍCIO EFETIVO DEPENDERÁ DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE OU DE DECISÃO JUDICIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 1. O direito ao trabalho é um direito social (art. 6º da CF/1988) que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e IV, da CF/1988), sendo meio para se construir uma sociedade livre, justa e solidária; para se garantir o desenvolvimento nacional; bem como para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I, II, e III, da CF/1988); não se confundindo com os direitos políticos. 2. Os direitos políticos dos apenados criminalmente mediante decisão judicial transitada em julgado devem permanecer suspensos enquanto durarem os efeitos da condenação (art. 15, III, da CF/1988). A norma constitucional tem um sentido ético, de afastar da atividade política aqueles que ofenderam valores caros à vida em sociedade. 3. Porém, essa previsão não pode ser considerada, de forma isolada, como empecilho para a posse de candidato em concurso público, uma vez que a Lei de Execução Penal deve ser interpretada em conformidade com seu artigo 1º, segundo o qual a ressocialização do condenado constitui o objetivo da execução penal. 4. Não é razoável que o Poder Público, principal responsável pela reintegração do condenado ao meio social, obstaculize tal finalidade, impossibilitando a posse em cargo público de candidato que, a despeito de toda a dificuldade enfrentada pelo encarceramento, foi aprovado em diversos concursos, por mérito próprio. 5. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Interpretação conforme à Constituição aos incisos II e III do art. 5º da Lei 8.112/1990, no sentido de que não é possível aplicar-se automaticamente o artigo 15, III, da Constituição, exigindo-se conduta clara e nítida no sentido de furtar-se às obrigações eleitorais. Fixada, para fins de repercussão geral, a seguinte tese ao TEMA 1190: É inconstitucional, por violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF, artigo 1º, III e IV), a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado (CF, artigo 15, III), quando este for o único fundamento para sua eliminação no certame, uma vez que é obrigatoriedade do Estado e da sociedade fornecer meios para que o egresso se reintegre à sociedade. O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao término da pena ou à decisão judicial.

(RE 1282553, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 04-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 11-12-2023  PUBLIC 12-12-2023 REPUBLICAÇÃO: DJe-s/n  DIVULG 14-12-2023  PUBLIC 15-12-2023) Grifo nosso.


Questão da FGV

Em matéria de concurso público para ingresso de pessoal no serviço público, responda as perguntas a seguir de forma objetivamente fundamentada e de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. 

a) É constitucional lei estadual que dispõe que, em concurso público para ingresso na carreira militar estadual, das vagas ofertadas no edital, 15% serão destinadas às candidatas do gênero feminino? Discorra sobre o tema. 

b) É constitucional a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado? 


Espelho de correção da banca


quarta-feira, 4 de junho de 2025

A reserva legal de percentual de vagas a ser preenchido, exclusivamente, por mulheres, em concursos públicos da área de segurança pública estadual, não pode ser interpretada como autorização para impedir que elas possam concorrer à totalidade das vagas oferecidas

Julgado cobrado na segunda fase do TJ/MT para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada

"A reserva legal de percentual de vagas a ser preenchido, exclusivamente, por mulheres, em concursos públicos da área de segurança pública estadual, não pode ser interpretada como autorização para impedir que elas possam concorrer à totalidade das vagas oferecidas."

 

Resumo (Informativo nº 1.136 do STF)

"A reserva legal de percentual de vagas a ser preenchido, exclusivamente, por mulheres, em concursos públicos da área de segurança pública estadual, não pode ser interpretada como autorização para impedir que elas possam concorrer à totalidade das vagas oferecidas.

É vedada a interpretação que legitime a imposição de qualquer limitação à participação de candidatas do sexo feminino nos referidos certames, visto que é inadmissível dar espaço a discriminações arbitrárias, notadamente quando inexiste, na respectiva norma, qualquer justificativa objetiva e razoável tecnicamente demonstrada para essa restrição (1).

Nesse contexto, a solução da controvérsia considerou, principalmente: (i) o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de promover o bem de todos, sem preconceitos de sexo (CF/1988, art. 3º, IV); (ii) o direito de amplo acesso a cargos públicos, empregos e funções públicas; (iii) a clara preocupação da Constituição Federal em garantir a igualdade entre os gêneros (art. 5º, caput e I); (iv) a ausência de especificidade no texto constitucional relativa à participação de mulheres nos certames de ingresso aos cargos; (v) a necessidade de incentivo, via ações afirmativas, à participação feminina na formação do efetivo das áreas de segurança pública, com a finalidade de resguardar a igualdade material; e (vi) a inexistência de previsão legal devidamente justificada que possa validar a restrição, total ou parcial, do acesso às vagas.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por unanimidade, julgou procedente as ações para conferir interpretação conforme a Constituição ao: (i) art. 1º, § 1º, da Lei nº 7.823/2014 do Estado de Sergipe (2), (ii) art. 17, § 4º, da Lei Complementar nº 194/2012 do Estado de Roraima (3); e (iii) art. 2º da Lei nº 16.826/2019 do Estado do Ceará (4), a fim de afastar qualquer intepretação que admita restrição à participação de candidatas do sexo feminino nos concursos públicos neles referidos. O Tribunal ainda modulou os efeitos da decisão para preservar os concursos já finalizados quando da publicação da ata do presente julgamento." 

(1) Precedente citado: ADI 7.483 MC-Ref. 

(2) Lei nº 7.823/2014 do Estado de Sergipe: “Art. 1º (...) § 1º O preenchimento das vagas de Postos e Graduações Policiais Militares, resultantes da execução ou aplicação desta Lei, deve ser realizado por promoção, por admissão mediante seleção (concurso), ou por incorporação, de acordo com a legislação pertinente, ficando estipulado um mínimo de 10% (dez por cento) de vagas para candidatos do sexo feminino, quando a seleção for efetivada por concurso público, até que se complete o efetivo fixado nesta Lei.” 

(3) Lei Complementar nº 194/2012 do Estado de Roraima: “Art. 17. O ingresso na carreira militar é facultado a todos os brasileiros, mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, observadas as condições estabelecidas neste Estatuto e que preencham os seguintes requisitos: (...) § 4º Das vagas ofertadas no concurso público, 15% (quinze por cento) serão destinadas às candidatas do sexo feminino.” 

(4) Lei nº 16.826/2019 do Estado do Ceará: “Art. 2º Deverão ser asseguradas vagas mínimas, nos concursos públicos para preenchimento de cargos e funções da área da segurança pública, destinadas exclusivamente a mulheres, em percentual não inferior a 15 % (quinze por cento), sendo consideradas para o cálculo mencionado os policiais civis e militares e os agentes penitenciários.” 

ADI 7.480/SE, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 10.05.2024 (sexta-feira), às 23:59 

ADI 7.482/RR, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 10.05.2024 (sexta-feira), às 23:59 

ADI 7.491/CE, relator Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 10.05.2024 (sexta-feira), às 23:59

 

Ementa de um dos julgados

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ART. 1º, §1º, DA LEI 7.823/2014, DO ESTADO DE SERGIPE. LIMITAÇÃO DE CANDIDATAS DO GÊNERO FEMININO EM CONCURSOS PÚBLICOS NA ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA. OFENSA À IGUALDADE DE GÊNERO. 1. As legislações que restringem a ampla participação de candidatas do sexo feminino, sem previsão legal e legitimamente justificadas, caracterizam afronta à igualdade de gênero. 2. A norma impugnada possibilita a exclusão da participação de mulheres na concorrência pelo total das vagas oferecidas nos concursos públicos para as carreiras da área de segurança pública do Estado de Sergipe. 3. As legislações que restringem a ampla participação de candidatas do sexo feminino em concursos públicos caracterizam afrontam o princípio da igualdade (CF, art. 5º). Precedentes específicos desta SUPREMA CORTE. 4. A lei não poderá estabelecer critérios de distinção entre homens e mulheres para acesso a cargos, empregos ou funções públicas, inclusive os da área de segurança pública, exceto quando a natureza do cargo assim o exigir, diante da real e efetiva necessidade. 5. A participação feminina na formação do efetivo das áreas de segurança pública deve ser incentivada mediante ações afirmativa. 6. A norma impugnada confere espaço interpretativo que permite restrição ao acesso de candidatas do sexo feminino à totalidade das vagas ofertadas, sem qualquer justificativa real e tecnicamente demonstrada. É vedada a interpretação que legitime a imposição de qualquer limitação à participação de candidatas do sexo feminino nos certames da área de segurança pública estadual. 7. Ação Direta julgada procedente para conferir interpretação conforme à Constituição, a fim de afastar qualquer exegese que admita restrição à participação de candidatas do sexo feminino. Modulação de efeitos.

(ADI 7480, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 17-05-2024  PUBLIC 20-05-2024) Grifo nosso.

 

Questão da FGV

Questão 2 – Direito Administrativo 

Em matéria de concurso público para ingresso de pessoal no serviço público, responda as perguntas a seguir de forma objetivamente fundamentada e de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. 

a) É constitucional lei estadual que dispõe que, em concurso público para ingresso na carreira militar estadual, das vagas ofertadas no edital, 15% serão destinadas às candidatas do gênero feminino? Discorra sobre o tema. 

b) É constitucional a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado? 


Espelho de resposta


Não é possível a invocação de elementos referentes à vivência sexual pregressa da vítima ou ao seu modo de vida em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e de violência contra a mulher, sob pena de nulidade

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