Julgado cobrado na primeira fase do concurso do MP/SP (Promotor de Justiça Substituto), realizada em 2025.
Tese fixada pelo STF
A condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório é incompatível com a Constituição Federal, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato. Além disso, a expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP não foi recepcionada pela Constituição da República.
Dispositivo legal (CPP)
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. (Vide ADPF 395)(Vide ADPF 444)
Ementa
1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Constitucional. Processo Penal. Direito à não autoincriminação. Direito ao tempo necessário à preparação da defesa. Direito à liberdade de locomoção. Direito à presunção de não culpabilidade.
2. Agravo Regimental contra decisão liminar. Apresentação da decisão, de imediato, para referendo pelo Tribunal. Cognição completa da causa com a inclusão em pauta. Agravo prejudicado.
3. Cabimento da ADPF. Objeto: ato normativo pré-constitucional e conjunto de decisões judiciais. Princípio da subsidiariedade (art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/99): ausência de instrumento de controle objetivo de constitucionalidade apto a tutelar a situação. Alegação de falta de documento indispensável à propositura da ação, tendo em vista que a petição inicial não se fez acompanhar de cópia do dispositivo impugnado do Código de Processo Penal. Art. 3º, parágrafo único, da Lei 9.882/99. Precedentes desta Corte no sentido de dispensar a prova do direito, quando “transcrito literalmente o texto legal impugnado” e não houver dúvida relevante quanto ao seu teor ou vigência – ADI 1.991, Rel. Min. Eros Grau, julgada em 3.11.2004. A lei da ADPF deve ser lida em conjunto com o art. 376 do CPC, que confere ao alegante o ônus de provar o direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, se o juiz determinar. Contrario sensu, se impugnada lei federal, a prova do direito é desnecessária. Preliminar rejeitada. Ação conhecida.
4. Presunção de não culpabilidade. A condução coercitiva representa restrição temporária da liberdade de locomoção mediante condução sob custódia por forças policiais, em vias públicas, não sendo tratamento normalmente aplicado a pessoas inocentes. Violação.
5. Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). O indivíduo deve ser reconhecido como um membro da sociedade dotado de valor intrínseco, em condições de igualdade e com direitos iguais. Tornar o ser humano mero objeto no Estado, consequentemente, contraria a dignidade humana (NETO, João Costa. Dignidade Humana: São Paulo, Saraiva, 2014. p. 84). Na condução coercitiva, resta evidente que o investigado é conduzido para demonstrar sua submissão à força, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana.
6. Liberdade de locomoção. A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por período breve.
7. Potencial violação ao direito à não autoincriminação, na modalidade direito ao silêncio. Direito consistente na prerrogativa do implicado a recursar-se a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade. Art. 5º, LXIII, combinado com os arts. 1º, III; 5º, LIV, LV e LVII. O direito ao silêncio e o direito a ser advertido quanto ao seu exercício são previstos na legislação e aplicáveis à ação penal e ao interrogatório policial, tanto ao indivíduo preso quanto ao solto – art. 6º, V, e art. 186 do CPP. O conduzido é assistido pelo direito ao silêncio e pelo direito à respectiva advertência. Também é assistido pelo direito a fazer-se aconselhar por seu advogado.
8. Potencial violação à presunção de não culpabilidade. Aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas – art. 5º, LVII. A restrição temporária da liberdade e a condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado é claramente tratado como culpado.
9. A legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva.
10. Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP.
(ADPF 444, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14-06-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 21-05-2019 PUBLIC 22-05-2019) Grifo nosso.
Questão do MP/SP
Assinale a alternativa correta a respeito das provas no processo penal.
(A) Os prints de WhatsApp somente terão valor probatório se forem autenticados por ata notarial ou por perícia em um dos aparelhos usados para transmissão ou recepção das mensagens, ou se forem validados por plataforma que atenda aos padrões e princípios de coleta e preservação da cadeia de custódia de provas digitais, com base nas recomendações forenses aderentes à ISO 27037:2013 (Diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidência digital).
(B) A serendipidade (encontro fortuito de provas) não é admitida no ordenamento jurídico, por caracterizar a hipótese de fishing expedition (pescaria probatória), prática que viola as garantias constitucionais da intimidade e da privacidade.
(C) É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o fato de o agente mentir acerca da ocorrência delituosa constitui violação à lealdade e boa-fé processual, podendo servir como circunstância judicial desfavorável na fixação da pena (personalidade ou conduta social).
(D) O Supremo Tribunal Federal proclamou que não foi recepcionada a expressão “para o interrogatório” constante do artigo 260 do Código de Processo Penal, e declarou a inconstitucionalidade da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório policial ou judicial. Tal decisão, porém, não abrange a condução coercitiva do investigado ou acusado para atos que dependam da sua presença, como a identificação criminal.
(E) O depoimento especial de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de violência não pode ser realizado perante a autoridade policial, pois a lei exige a observância do rito específico para a produção antecipada de prova judicial. Assim, cabe à autoridade policial determinar a realização de escuta especializada e, caso considere necessário o depoimento especial, representar ao Ministério Público para que este proponha a ação cautelar de antecipação de prova.
Gabarito: D