A Lei Maria da Penha prevalece quando suas disposições conflitarem com as de estatutos específicos, como o da Criança e do Adolescente

Julgado cobrado na primeira fase do TJ/TO para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ no Tema Repetitivo nº 1.186 do STJ

1. A condição de gênero feminino é suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica e familiar, prevalecendo sobre a questão etária.

2. A Lei Maria da Penha prevalece quando suas disposições conflitarem com as de estatutos específicos, como o da Criança e do Adolescente.

 

Ementa

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. VÍTIMA MULHER. LEI MARIA DA PENHA. COMPETÊNCIA. VARA ESPECIALIZADA. RECURSO DESPROVIDO.

I. Caso em exame

1. Recurso representativo de controvérsia.

Atendimento ao disposto no art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil e da Resolução 8/2008 do STJ.

2. Recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Pará contra acórdão do Tribunal de Justiça do Pará, que declarou a competência da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Santarém/PA para julgar crimes de estupro de vulnerável cometidos contra três filhas menores do investigado.

3. O Tribunal de Justiça do Pará entendeu que a violência sexual praticada no âmbito doméstico e familiar contra as vítimas do sexo feminino atrai a aplicação da Lei Maria da Penha, prevalecendo sobre a questão etária.

II. Questão em discussão

4. Delimitação da controvérsia: a idade da vítima, por si só, não é elemento apto a afastar a competência da vara especializada para processar os crimes perpetrados contra vítima mulher, seja criança ou adolescente, no contexto de violência doméstica e familiar.

5. Tese: o gênero feminino, independentemente de ser a vítima criança ou adolescente, é condição única e suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei n. 11.430/2006 (Lei Maria da Penha) nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher.

6. A questão em discussão consiste em saber se a condição de gênero feminino, independentemente de ser a vítima criança ou adolescente, é suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica e familiar, afastando a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

III. Razões de decidir

7. A interpretação literal do art. 13 da Lei Maria da Penha indica a prevalência de suas disposições quando em conflito com estatutos específicos, como o da Criança e do Adolescente.

8. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que a vulnerabilidade da mulher é preponderante sobre a vulnerabilidade etária, sendo desnecessária a demonstração específica da subjugação feminina para a aplicação da Lei Maria da Penha.

9. A violência de gênero é configurada pela condição de mulher da vítima, independentemente de sua idade, quando a violência ocorre no âmbito doméstico ou familiar.

IV. Dispositivo e tese

10. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: "1. A condição de gênero feminino é suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica e familiar, prevalecendo sobre a questão etária.

2. A Lei Maria da Penha prevalece quando suas disposições conflitarem com as de estatutos específicos, como o da Criança e do Adolescente."

Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.340/2006, arts. 5º, 7º, 13 e 14; CP, art. 217-A. Jurisprudência relevante citada: STJ, RHC 121.813/RJ, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/10/2020; EAREsp 2.099.532/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 26/10/2022.

(REsp n. 2.015.598/PA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 6/2/2025, DJEN de 13/2/2025.) Grifo nosso.

 

Julgado correlato

Após o advento do art. 23 da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022. Informativo nº 755 do STJ.

 

Resumo:

O crime de estupro de vulnerável praticado no contexto da violência doméstica e familiar deve ser julgado:

1) Pela vara especializada em crimes contra a criança e adolescente;

2) Caso não exista vara especializada em crimes contra a criança e adolescente na Comarca, a competência é da vara especializada em violência doméstica;

3) Quando não houver vara especializada em crimes contra a criança e adolescente e vara especializada em violência doméstica, a competência é da vara criminal comum.

 

Questão da FGV

O Ministério Público, no corrente ano de 2025, propôs ação penal em face de Mévio, imputando-lhe a prática de estupro de vulnerável cometido contra a sua enteada. De acordo com a peça acusatória, Mévio, nos momentos em que sua companheira saía de casa, aproveitava-se para praticar abusos sexuais em desfavor da infante, que, à época dos fatos, tinha 7 anos de idade. A referida ação penal tramitou em uma vara criminal comum, ante a inexistência, na localidade, de Vara Especializada da Criança e do Adolescente vítima, prevista na Lei nº 13.431/2017. A vítima foi ouvida em juízo, nos termos da legislação aplicável, e o seu relato foi corroborado por outros elementos probatórios produzidos em contraditório judicial. Ao final, julgou-se procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para condenar Mévio. 

Tendo em vista o caso proposto, as disposições da Lei nº 13.431/2017 e a jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da temática, é correto afirmar que: 

(A) a oitiva da criança não poderia seguir o rito cautelar de antecipação de prova, em razão da natureza da infração imputada ao réu; 

(B) a escuta especializada, indicada no caso, é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária; 

(C) a competência para julgamento da ação, no caso, caberia à vara especializada em violência doméstica; apenas na ausência dessa, a competência seria da vara criminal comum; 

(D) os Tribunais de Justiça não têm prerrogativa para atribuir aos Juizados da Infância e Juventude competência para julgar crimes contra crianças e adolescentes; 

(E) o oferecimento da denúncia perante a vara criminal comum foi correto e adequado, observado o fator etário e ante a inexistência de juizado ou vara especializada em crimes contra crianças e adolescentes.

Gabarito: C