Julgado cobrado na prova do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.
Resumo - Informativo 1107 do STF
"É constitucional — por não afrontar a forma federativa de Estado e os direitos e as garantias individuais — o art. 1º da EC 45/2004, no que se refere à criação do incidente de deslocamento de competência (IDC) para a Justiça Federal, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos (inclusão do inciso V-A e do § 5º ao art. 109 da CF/1988).
A criação do IDC representa a adoção de mecanismo de equacionamento jurídico da problemática da ineficiência do aparato estatal de repressão às graves violações dos direitos humanos. Considerou-se, em especial, o papel da União como garante, em nível interno e externo, dos compromissos internacionais firmados pelo Brasil com relação ao tema, de modo que a federalização dessas específicas causas é medida excepcional e subsidiária.
Nesse contexto, a retirada de parcela da competência jurisdicional da magistratura estadual não enseja quebra de cláusula pétrea (CF/1988, art. 60, § 4º, I e IV), nem ofensa ao pacto federativo ou a qualquer cláusula de autonomia dos órgãos judiciários locais, em razão do caráter único e nacional do Poder Judiciário.
Também não há qualquer ofensa à legalidade, à segurança jurídica, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, ao princípio do juiz natural, bem como à garantia constitucional do Tribunal do Júri.
A aplicabilidade do IDC é imediata, atribuindo-se ao Procurador-Geral da República (PGR) a responsabilidade de verificar a ocorrência de grave violação dos direitos humanos, previstos em instrumentos normativos internacionais, sem o intermédio de uma legislação de regência.
Não é necessária norma legal regulamentadora, pois o preceito constitucional já possui todos os elementos qualificadores necessários à sua incidência (CF/1988, art. 5º, § 1º). Assim, o papel atribuído ao PGR configura mecanismo de equilíbrio e ponderação: ele tem o dever-poder de suscitar o deslocamento quando observar a presença dos requisitos.
Não há se falar em arbitrariedade na formulação desse ato, que, em última análise, se submeterá ao crivo do STJ, cuja apreciação é pautada por critérios jurídicos e não políticos.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, em apreciação conjunta, julgou improcedentes as ações, para assentar a constitucionalidade do art. 1º da EC 45/2004, relativamente à inclusão do inciso V-A e do § 5º ao art. 109 da CF/1988."
Ementa:
EMENTA Ações diretas de inconstitucionalidade. Artigo 1º da Emenda Constitucional nº 45/04. Inserção do inciso V-A e do § 5º ao art. 109 da Constituição Federal. Incidente de deslocamento de competência. Julgamento conjunto com a ADI nº 3.493. Alegações de ilegitimidade ativa. Preliminares rejeitadas. Medida processual excepcional e subsidiária. Transferência de feitos da Justiça Estadual para a Justiça Federal. Fórmula escolhida pelo poder reformador. Alternativa à previsão de competência geral e aberta. Preservação da competência da Justiça Estadual. Grave violação dos direitos humanos. Ilícito civil ou penal. Proteção do Estado Brasileiro. Responsabilidade internacional. União como ente central e garante. Risco de descumprimento de obrigações previstas em tratados e convenções internacionais. Possibilidade de agir internamente. Interesse expresso da União. Inexistência de ofensa ao pacto federativo e à autonomia dos órgãos judiciários. Caráter nacional e de unidade do Poder Judiciário. Não violação do princípio do juiz natural. Intangibilidade das regras de competência. Não ocorrência. Máxima legitimidade institucional do Procurador-Geral da República. Inexistência de faculdade ou de discricionariedade. Dever-poder de suscitar o incidente. Crivo do Superior Tribunal de Justiça. Critérios técnicos. Ofensa ao princípio da legalidade (reserva legal). Não ocorrência. Desnecessidade de noma regulamentadora. Inexistência de ofensas à legalidade, à segurança jurídica, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, bem como à garantia constitucional do tribunal do júri. Pedido improcedente. 1. A aptidão da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para inaugurar o controle abstrato de normas foi, por diversas vezes, chancelada pela Suprema Corte, dada a adequação da instituição ao previsto no art. 103, inciso IX, da Constituição Federal. Precedentes. Satisfeito, também, o requisito da pertinência temática, uma vez que à AMB compete a defesa das prerrogativas e dos interesses da magistratura em âmbito nacional. 2. Em relação à Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES), há a peculiaridade de que o dispositivo impugnado veicula forma de deslocamento de competência processual da Justiça Estadual para a Justiça Federal, cuja aplicação interfere diretamente na órbita específica de interesse da magistratura estadual. Está configurada, pois, sua legitimidade ativa e a relação de pertinência entre o objeto da ação e suas finalidades institucionais, que é, em suma, a de representar os magistrados estaduais em âmbito nacional. 3. Nos termos da previsão expressa do art. 60, § 4º, da CF/88, não é vedado ao poder constituinte derivado toda e qualquer restrição às chamadas cláusulas pétreas, mas somente aquelas que atinjam núcleo essencial desses limites materiais ' vedam-se as propostas de emendas tendentes a abolir as cláusulas pétreas. 4. A fórmula escolhida pelo poder reformador para o transporte à Justiça Federal dos feitos em que haja violação grave dos direitos humanos foi o incidente de deslocamento, e não a previsão de uma competência geral e aberta. 5. A criação do instituto representa a adoção de mecanismo de equacionamento jurídico da problemática da ineficiência do aparato estatal de repressão às graves violações dos direitos humanos, tendo presente, especialmente, o papel da União como garante, em nível interno e externo, dos compromissos internacionais firmados pelo Estado Brasileiro na seara dos direitos humanos (art. 21, inciso I; art. 49, inciso I; e art. 84, inciso VIII, da CF/88). 6. As disposições ora impugnadas buscam permitir que a União, além da responsabilidade internacional, passe a ter também a responsabilidade de agir internamente nos casos de grave violação de direitos humanos, em cumprimento ao disposto no art. 28 da Convenção Americana de Direitos Humanos. 7. A mera modificação das regras de competência jurisdicional não enseja ofensa ao pacto federativo ou a qualquer cláusula de autonomia dos órgãos judiciários locais, porquanto o Poder Judiciário é pautado, no desempenho de sua função precípua, pelo caráter nacional e de unidade, a despeito da diversidade de organização administrativa. 8. A competência da “justiça estadual” na feição dada pelo constituinte originário é residual. Nesse passo, a atribuição à Justiça Federal da tarefa de julgar os processos ligados a graves violações de direitos humanos, por meio do incidente de deslocamento, simplesmente retira parcela de jurisdição antes englobada residualmente ao corpo de competências da magistratura estadual. 9. A Justiça Federal, cujo plexo de competências jurisdicionais está definido na Carta de 1988 (art. 109), é, destarte, instância legitimada e regularmente estruturada em nível constitucional. Se é a própria Constituição que estabelece, expressamente, a competência da Justiça Federal, não há óbice de que emenda constitucional disponha sobre o deslocamento de competência em determinados casos. 10. A criação do incidente de deslocamento não agride o princípio do juiz natural sob a vertente de proibição de criação de juízo ex post facto ou direcionado a caso específico, já que se trata de regra abstrata de competência estabelecida previamente ao fato delituoso. As investigações e os processos versados sobre delitos cometidos anteriormente à edição da EC nº 45/04 não podem ser objeto do incidente de deslocamento de competência. 11. A intangibilidade das regras de competência não é parte da cláusula do juiz natural, sob pena de se inviabilizar o próprio exercício da jurisdição e se amesquinhar outras garantias, como a imparcialidade do juízo. 12. A fórmula estampada no texto questionado foi estabelecida de forma abstrata e prévia. O elemento variante é o suporte fático da regra, consistente na “grave violação de direitos humanos” e “[n]a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte”. 13. Sob o prisma da máxima legitimidade institucional, o Procurador-Geral da República, em consonância com sua importante missão constitucional, entre outras nobres atribuições, tem o dever-poder de suscitar o deslocamento quando preenchidos os requisitos estabelecidos constitucionalmente. Ademais, o juízo do Procurador-Geral da República, em última análise, submete-se ao crivo do colegiado do Superior Tribunal de Justiça, cuja apreciação se pauta por critérios jurídicos, e não políticos, o que afasta a alegação de que pode haver arbitrariedade em sua formulação. 14. A expressão “grave violação dos direitos humanos” pode ser compreendida como todo atentado de grande monta aos direitos humanos previstos em instrumentos normativos internacionais de proteção a cuja aplicabilidade o Brasil tenha formalmente aderido. Nesse sentido, o conceito em questão, embora não remeta a um rol taxativo e restritivo, é plenamente identificável, na medida em que o rol de direitos deve ser definido com fundamento nas normas consuetudinárias internacionais ou nos tratados e instrumentos normativos internacionais dos quais o Brasil seja signatário. 15. É legítima e imperiosa a aplicabilidade imediata da norma impugnada tão logo seja vigente, uma vez que possui todos os elementos qualificadores necessários a sua incidência. Em verdade, por se tratar de normas concernentes aos direitos humanos, nem sequer se pode esperar uma definição legal. 16. Quanto à observância das demais cláusulas do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, ressalta-se que os investigados ou acusados participam do processamento do incidente, oferecendo suas razões. Além disso, gozam as partes de todas as prerrogativas processuais definidas nas normas constitucionais e processuais, independentemente de tramitar o processo na Justiça Estadual ou na Federal. A previsão do deslocamento também não agride a competência do tribunal do júri, já que, na Justiça Federal, também se observa a reserva de jurisdição da corte popular, como previsto no art. 4º do Decreto-Lei nº 253, de 28 de fevereiro de 1967. 17. Pedido julgado improcedente.
(ADI 3486, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12-09-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-11-2023 PUBLIC 14-11-2023) Grifo nosso.
Questão da FGV
Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enxerga-se um esforço no sentido de proteger os direitos humanos. Além de os inserir na carta de direitos como fundamentais em sua ordem interna, o documento possui mecanismos auxiliares para dar concretude à tutela desses direitos. Um deles é o deslocamento de competência para a Justiça Federal.
À luz do disposto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, do entendimento do Supremo Tribunal Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, é correto afirmar que:
(A) o deslocamento de competência para a Justiça Federal se qualifica como uma competência geral e aberta, exige violação contínua dos direitos humanos e dispensa a participação dos investigados ou acusados, por se classificar como processo objetivo;
(B) a Convenção não positiva uma autorização à União para ter a responsabilidade de agir internamente em casos de violação a direitos humanos, como positivada na Constituição, o que abre um amplo espaço para a normatização interna;
(C) a grave violação dos direitos humanos pode ser compreendida como o atentado de grande monta a esses direitos previstos em normas (consuetudinárias ou previstas em documentos formais) internacionais de proteção a cuja aplicabilidade o Brasil tenha aderido;
(D) as investigações e os processos que versem sobre violações a direitos humanos, como positivadas na Constituição, cometidas a partir de 05 de outubro de 1988, podem ser objeto do incidente de deslocamento de competência;
(E) o procurador-geral da República tem um poder-faculdade de suscitar o deslocamento de competência, junto ao Superior Tribunal de Justiça, devido ao aspecto federativo que o tema envolve, de modo que é importante a fixação de critérios jurídicos para o seu manuseio.
Gabarito: C
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.