sábado, 31 de maio de 2025

É constitucional norma que permite o acesso, por autoridades policiais e pelo Ministério Público, a dados cadastrais de pessoas investigadas independentemente de autorização judicial, excluído do âmbito de incidência da norma a possibilidade de requisição de qualquer outro dado cadastral além daqueles referentes à qualificação pessoal, filiação e endereço

Julgado cobrado na prova do ENAM - 2025.1.



Síntese do julgado:

"É constitucional norma que permite o acesso, por autoridades policiais e pelo Ministério Público, a dados cadastrais de pessoas investigadas independentemente de autorização judicial, excluído do âmbito de incidência da norma a possibilidade de requisição de qualquer outro dado cadastral além daqueles referentes à qualificação pessoal, filiação e endereço (art. 5º, X e LXXIX, da CF)."


Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 9.613/1998, ART. 17-B. COMPARTILHAMENTO DE DADOS CADASTRAIS COM ÓRGÃOS DE PERSECUÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. 1. A Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix) não tem legitimidade para impugnar inteiro teor de dispositivo quando impactadas entidades por ela não representadas. Preliminar da Advocacia-Geral da União acolhida, conhecendo-se parcialmente da ação, somente no que diz respeito à expressão “empresas telefônicas”. 2. Conforme entendimento do Supremo, a proteção versada no art. 5º, XII, da Constituição Federal refere-se à comunicação de dados, e não aos dados em si mesmos. 3. O direito à privacidade, entre os instrumentos de tutela jurisdicional, se consubstancia no sigilo, que consiste na faculdade de resistir ao devassamento de informações cujo acesso e divulgação podem ocasionar dano irreparável à integridade moral do indivíduo. O acesso ao conteúdo de certos objetos é medida excepcional que depende de autorização judicial e somente se justifica para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. 4. O objeto de tutela mediante a imposição de sigilo não alcança os dados cadastrais. Isso não significa que essas informações dispensem tutela jurisdicional, mas apenas que a tutela em virtude do direito à privacidade não se concretiza via sigilo. 5. O direito fundamental à proteção de dados e à autodeterminação informativa (CF, art. 5º, LXXIX) impõe a adoção de mecanismos capazes de assegurar a proteção e a segurança dos dados pessoais manipulados pelo poder público e por terceiros. 6. É compatível com a Constituição de 1988 o compartilhamento direto de dados cadastrais genéricos com os órgãos de persecução penal, para fins de investigação criminal, mesmo sem autorização da Justiça. 7. Ação direta de inconstitucionalidade de que se conhece em parte, e, nessa extensão, pedido julgado improcedente.
(ADI 4906, Relator(a): NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 11-09-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 23-10-2024  PUBLIC 24-10-2024)


Questão

A norma Y da União permitiu o acesso, por autoridades policiais e pelo Ministério Público, a dados cadastrais, referentes à qualificação pessoal, à filiação e ao endereço de pessoas investigadas, independentemente de autorização judicial. 

Sobre a referida norma, considerando a ordem constitucional brasileira e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assinale a afirmativa correta. 

(A) É constitucional apenas no que tange ao Ministério Público, na qualidade de titular da ação penal pública, pois é competência privativa da União legislar sobre processo penal. 

(B) É inconstitucional, somente o Ministério Público poderia ter acesso aos dados, uma vez que é o titular da ação penal pública e tem o poder de requisição expresso na Constituição. 

(C) É inconstitucional, pois o acesso a esses dados pela Polícia e pelo Ministério Público, sem autorização judicial, viola os direitos à privacidade e à proteção de dados pessoais. 

(D) É constitucional, pois o acesso a esses dados pela Polícia e pelo Ministério Público não viola os direitos à privacidade e à proteção de dados pessoais. 

(E) É constitucional, pois a Constituição protege o sigilo da comunicação telefônica, exigindo autorização judicial para a sua quebra, e não o sigilo de dados pessoais, que podem ser compartilhados sem autorização, inclusive, entre empresas distintas. 

Gabarito: D

A arguição de descumprimento de preceito fundamental não é a via adequada para se obter a interpretação, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante

Julgado cobrado na prova do ENAM - 2025.1.


Síntese do julgado:

"A arguição de descumprimento de preceito fundamental não é a via adequada para se obter a interpretação, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante"


Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. SÚMULA VINCULANTE N. 2 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO ESTADUAL OU DISTRITAL QUE DISPONHA SOBRE SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E SORTEIOS, INCLUSIVE BINGOS E LOTERIAS. INTERPRETAÇÃO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO PRECEITO FUNDAMENTAL DA SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. A exploração de loterias não se enquadra nas atividades inerentes ao Poder Público. 2. A arguição de descumprimento de preceito fundamental não é a via adequada para se obter a interpretação, a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(ADPF 147 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24-03-2011, DJe-067 DIVULG 07-04-2011 PUBLIC 08-04-2011 EMENT VOL-02499-01 PP-00001) Grifo nosso.


Questão

Sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assinale a afirmativa incorreta

(A) A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental não é um meio processual apto a desconstituir decisões judiciais transitadas em julgado. 

(B) A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é a via adequada para se obter a interpretação, a revisão ou o cancelamento de Súmula Vinculante. 

(C) Para justificar o conhecimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a violação ao preceito fundamental deve ser efetiva, e não meramente hipotética. 

(D) Cabe Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para examinar a inconstitucionalidade da conduta, comissiva e omissiva, que impede a produção dos efeitos de norma legitimamente aprovada pelo Congresso Nacional. 

(E) É cabível a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental quando houver uma violação generalizada dos direitos humanos, uma omissão estrutural dos três Poderes e uma necessidade de solução complexa que exija a participação de todos os Poderes. 

Gabarito: B

A servidora pública ou a trabalhadora regida pela CLT não gestante em união homoafetiva têm direito ao gozo da licença-maternidade. Caso a companheira tenha usufruído do benefício, fará jus a período de afastamento correspondente ao da licença-paternidade

Julgado cobrado na prova do ENAM - 2025.1.


Tese fixada pelo STF no tema de Repercussão Geral nº 1.072:

"A servidora pública ou a trabalhadora regida pela CLT não gestante em união homoafetiva têm direito ao gozo da licença-maternidade. Caso a companheira tenha usufruído do benefício, fará jus a período de afastamento correspondente ao da licença-paternidade”


Ementa do julgado

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LICENÇA-MATERNIDADE. ARTIGOS 7º, XVIII, E 201, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL. SILÊNCIO LEGISLATIVO. CONCEITO PLURAL DE FAMÍLIA. MULTIDIVERSIDADE. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INSTITUÍDO PRIMORDIALMENTE NO INTERESSE DA CRIANÇA. FUNDAMENTALIDADE DA CONVIVÊNCIA PRÓXIMA COM A GENITORA NA PRIMEIRA INFÂNCIA. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO BENEFÍCIO À MÃE NÃO GESTANTE. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DOIS BENEFÍCIOS IDÊNTICOS EM UM MESMO NÚCLEO FAMILIAR. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O sobreprincípio da diginidade da pessoa humana e a realidade das relações interpessoais no seio de nossa sociedade impõem regime jurídico que protege diversos formatos de família que os indivíduos constroem a partir de seus vínculos afetivos. Esta concepção plural de família resta patente no reconhecimento constitucional da legítimidade de modelos familiares independentes do casamento, como a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada família monoparental (art. 226, §§ 3º e 4º da CF de 1988). 2. O Supremo Tribunal Federal assentou, no histórico julgamento da ADI 4.227 (Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 14/10/2011), o novel conceito de família, como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil e que abrange, com igual diginidade, uniões entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos, a partir de uma exegese não reducionista. 3. A licença-maternidade constitui benefício previdenciário destinado, em conjunto com outras previsões, a concretizar o direito fundamental social de proteção à maternidade e à infância, mencionado no caput do art. 6º da CF. A temática relaciona-se à inserção da mulher no mercado de trabalho, que conduziu os Estados a promoverem políticas públicas que conciliassem a vida familiar e o melhor interesse dos filhos com a atividade laboral, para o desenvolvimento pessoal e profissional da mulher. 4. A proteção à maternidade constitui medida de discriminação positiva, que reconhece a especial condição ou papel da mulher no que concerne à geração de filhos e aos cuidados da primeira infância, tendo como ratio essendi primordial o bem estar da criança recém-nascida ou recém-incorporada à unidade familiar. 5. O convívio próximo com a genitora na primeira infância é de fundamental importância para o desenvolvimento psíquico saudável da criança. É que a garantia de períodos estendidos de licença-maternidade está associada, na literatura médica, entre outras coisas à redução da mortalidade infantil em países de todos os níveis de renda (HEYMANN et al. Paid parental leave and family wellbeing in the sustainable development era. Public Health Reviews, 2017, 38:21). 6. A ratio essendi primordial de proteção integral das crianças do instituto da licença-maternidade, tem diversos precedentes no sentido da extensão deste benefício a genitores em casos não expressamente previstos na legislação. Nesse sentido, a jurisprudência consagrou que a duração do benefício deve ser idêntico para genitoras adotivas e biológicas (RE 778.889, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 01/08/2016); reconheceu-se o gozo da licença a servidores públicos solteiros do sexo masculino solteiro que adotem crianças (RE 1.348.854, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 24/10/2022); e garantiu-se o direito à licença também às servidoras públicas detentoras de cargos em comissão (RE 842.844, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 06/12/2023). 7. As normas constitucionais relativas ao direito à licença-maternidade à mãe não gestante em união homoafetiva não podem ser interpretadas fora do contexto social em que o ordenamento jurídico brasileiro se insere, impondo-se opção por interpretação que confira máxima efetividade às finalidades perseguidas pelo Texto Constitucional. 8. O direito à igualdade, expresso no art. 5º, caput, da Constituição Federal, pressupõe a consideração das especificidades indevidamente ignoradas pelo Direito, especialmente aquelas vinculadas à efetivação da autonomia individual necessária à autorrealização dos membros da sociedade. Na linha da definição formulada por Ronald Dworkin, a igualdade equivale a tratar a todos com o mesmo respeito e consideração (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 419). 9. À luz da isonomia, não há que se falar exclusão da licença-maternidade às mães não gestantes em união homoafetiva. A Constituição Federal de 1988 concede à universalidade das mulheres a proteção constitucional à maternidade, independentemente do prévio estado de gravidez. 10. O reconhecimento da condição de mãe à mulher não gestante, em união homoafetiva, no que concerne à concessão da licença-maternidade, tem o condão de fortalecer o direito à igualdade material e, simbolicamente, de exteriorizar o respeito estatal às diversas escolhas de vida e configuração familiares existentes. 11. À luz do princípio da proporcionalidade, verifica-se a impossibilidade da concessão do benefício na hipótese abstrata de concorrência entre as mães a ambas simultâneamente em virtude de uma única criança, devendo a uma delas ser concedida a licença-maternidade e à outra afastamento por período equivalente ao da licença-paternidade. Saliente-se no ponto que o Plenário desta Corte declarou, recentemente, no julgamento da ADO 20, a existência de omissão inconstitucional do Congresso Nacional no que concerne à regulamentação da licença-paternidade, assinalando prazo de 18 meses ao Poder Legislativo Federal para a colmatação da lacuna normativa. 12. In casu, tem-se quadro fático em que o direito de trabalhadora não gestante em união homoafetiva ao gozo de licença-maternidade foi reconhecido, em contexto em que sua companheira, a mãe gestante, não usufruiu do benefício, de sorte que a decisão recorrida se adéqua perfeitamente à melhor interpretação constitucional. 13. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com a fixação da seguinte tese vinculante: “A servidora pública ou a trabalhadora regida pela CLT não gestante em união homoafetiva têm direito ao gozo da licença-maternidade. Caso a companheira tenha usufruído do benefício, fará jus a período de afastamento correspondente ao da licença-paternidade”.

(RE 1211446, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 13-03-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n  DIVULG 20-05-2024  PUBLIC 21-05-2024) Grifo nosso.


Questão

Duas mulheres vivem em união estável e tiveram uma filha. A mãe gestante é médica e trabalha em um hospital privado, enquanto a mãe não gestante é psicóloga e trabalha em uma organização não governamental. A mãe gestante gozou de licença-maternidade e agora, após o retorno ao trabalho, desfruta da estabilidade de gestante. 

Em relação à mãe não gestante, assinale a afirmativa correta. 

(A) Ela teria direito à licença-maternidade se a mãe gestante não tivesse gozado do benefício. Na hipótese, a mãe não gestante tem direito à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade. 

(B) Ela não faz jus a qualquer licença ou período de ausência justificada ao trabalho. 

(C) Ela tem o mesmo direito da mãe gestante, durante o mesmo período. 

(D) Ela apenas poderá gozar da licença-maternidade após o término da licença-maternidade da mãe gestante. 

(E) Ela teria direito à licença-maternidade se a mãe gestante não tivesse gozado do benefício. Na hipótese, a mãe não gestante tem direito à licença pelo período equivalente ao da adoção de criança menor de 18 anos.

Gabarito: A

Dada a íntima relação entre a posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam abrangidos pelo direito fundamental à cultura

Julgado cobrado na prova do TRF3 para o cargo de Juiz(a) Federal Substituto(a), realizada em 2025.


Síntese do julgado
"Dada a íntima relação entre a posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam abrangidos pelo direito fundamental à cultura"


Ementa 
Ação direta de inconstitucionalidade. Sertão baiano. Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto. Direitos territoriais. Concessão de direito real de uso de terras devolutas estaduais. Art. 3º, § 2º, da Lei nº 12.910/2013 do Estado da Bahia. Termo final para requerer a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas. Pretensão legislativa de cessar conflitos rurais e alcançar estabilidade social. Inconstitucionalidade. Medida inadequada, desnecessária e desproporcional. Ônus injustificado sobre a parte vulnerável. Proteção insuficiente do direito à existência e à reprodução física e cultural das comunidades tradicionais. Indissociabilidade dos direitos territoriais e do direito de existir como comunidade tradicional. Assimilação forçada à sociedade envolvente. Procedência. 1. A Constituição do Estado da Bahia prevê a concessão de uso das terras devolutas estaduais às comunidades de fundo e fecho de pasto, típicas do sertão baiano, nos biomas cerrado e caatinga. A origem dessas comunidades remonta ao processo de colonização, em particular com a interiorização por meio da pecuária. Tais comunidades adaptaram-se às condições climáticas da região e desenvolveram particular relação com as terras ocupadas, geridas de maneira coletiva. Construíram modos de vida e formas de organização próprias. Conciliam a existência de áreas comuns, em que criados animais soltos e realizadas outras atividades sociais, e áreas apossadas individualmente, para lavoura e moradia familiares. 2. Impugnado o art. 3º, § 2º, da Lei nº 12.910/2013 do Estado da Bahia, que impõe prazo à regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades de fundo e fecho de pasto mediante a concessão de uso: “Art. 3º (...). § 2º - Os contratos de concessão de direito real de uso de que trata esta Lei serão celebrados com as associações que protocolizem os pedidos de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária, nos órgãos competentes, até 31 de dezembro de 2018.” 3. Dada a íntima relação entre a posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam abrangidos pelo direito fundamental à cultura (art. 215, CF), em particular no que diz com a proteção dos grupos participantes do processo civilizatório nacional (§ 1º). Suas diferentes formas de expressão e modos de criar, fazer e viver integram o patrimônio cultural brasileiro (art. 216, I e II, CF) e devem ser objeto de tutela legislativa, administrativa e jurisdicional efetiva e adequada. 4. A posse tradicional e as expressões culturais que derivam da estreita relação entre as comunidades tradicionais e seu território integram sua identidade, que se traduz no pertencimento coletivo, nas particulares compreensões de mundo, nos imaginários coletivos, na relação travada com o local onde vivem (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai), de modo que o reconhecimento dos direitos territoriais exprime a afirmação da identidade étnico-racial e da trajetória histórica própria dos povos e comunidades tradicionais. 5. Negar a garantia às terras tradicionalmente ocupadas é negar a própria identidade, o reconhecimento da comunidade tradicional na sua singularidade cultural. É condenar o grupo culturalmente diferenciado, centrado na particular relação com o local que estrutura as suas formas de criar, fazer e viver, ao desaparecimento. É impor-lhe a assimilação à sociedade envolvente e violar a dignidade da pessoa humana em sua expressão comunitária (art. 1º, III, CF), com a anulação cultural e até mesmo física da comunidade. 6. A imposição de prazo fatal para que as comunidades apresentem requerimento de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária das terras tradicionais traduz limitação constitucionalmente injustificada, que não subsiste ao teste da proporcionalidade. Medida (i) inadequada para promover o fim dos conflitos fundiários, (ii) desnecessária para estancar dúvida dominial sobre as terras devolutas e cessar a violência a que sujeitas as comunidades e (iii) manifestamente desproporcional, ao impôr ônus excessivo à parte vulnerável, afastando o seu direito de existir e de reproduzir-se culturalmente, que demanda especial proteção. 7. Incompatibilidade do termo final estabelecido pela norma impugnada com os arts. 13 e 14 da Convenção nº 169 da OIT e com o art. 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos. 8. Violação dos arts. 1º, III, 5º, XXII, 215, § 1º, 216, I e § 1º, da Constituição. O direito fundamental à propriedade (art. 5º, XXII), compreendido à luz do direito fundamental à cultura e do direito humano à propriedade e à posse coletivas, traduz moldura normativa que abriga a proteção das formas tradicionais de pertencimento. 9. Apelo ao Estado da Bahia, a título de obiter dictum, instando-o a adotar todas as medidas legislativas, administrativas e judiciais necessárias para efetivar os direitos territoriais das comunidades de fundo e fecho de pasto, sem prejuízo da tutela devida às demais comunidades tradicionais do território baiano, em toda a sua diversidade. 10. Ação conhecida e pedido julgado procedente.
(ADI 5783, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 06-09-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 13-11-2023  PUBLIC 14-11-2023) Grifo nosso.


Questão

Assinale a alternativa correta: 

(A) As modalidades de pagamento por serviços ambientais poderão ser previamente pactuadas entre pagadores e provedores, mas o órgão gestor da PNPSA deverá estabelecer outras modalidades por atos normativos. 

(B) No contexto dos direitos territoriais, os povos e comunidades tradicionais poderão ter o direito de voltar a suas terras tradicionais, ainda que persistam as causas que motivaram seus translados com reassentamento, conforme a Convenção OIT 169. 

(C) Ao aplicar as disposições da Convenção OIT 169, os governos poderão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, de forma livre, prévia, informada e de boa fé. 

(D) Nos casos de isenção da obrigação de repartição de benefícios pelas microempresas, empresas de pequeno porte, microempreendedores individuais, agricultores tradicionais e suas cooperativas, nos termos dos dispositivos da Lei nº 13.123/2015, os detentores do conhecimento tradicional associado à biodiversidade ficam excluídos de programas de repartição de benefícios para manutenção dos sistemas de cultivo. 

(E) Segundo o STF, é constitucionalmente legítima a indissociabilidade dos direitos territoriais e do direito de existir como comunidade tradicional. Dada a íntima relação entre a posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam abrangidos pelo direito fundamental à cultura (art. 215 da Constituição da República). 

Gabarito: E

sexta-feira, 30 de maio de 2025

É constitucional o art. 40 da LEF, tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos

Julgado cobrado nas provas do TRF2 (sentença) e TRF3 para o cargo de Juiz(a) Federal Substituto(a), realizadas em 2024 e 2025.


Tese fixada no Tema de Repercussão Geral nº 390 do STF:

"É constitucional o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos."


Ementa do "leading case"

Direito Tributário. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Execução fiscal. Prescrição intercorrente. Art. 40 da Lei nº 6.830/1980 e art. 146, III, b, da CF/1988. 1. Recurso extraordinário interposto pela União, em que pleiteia seja reconhecida a constitucionalidade do art. 40, caput e § 4º, da Lei nº 6.830/1980, que versa sobre prescrição intercorrente em execução fiscal. Discute-se a validade da norma, no âmbito tributário, diante da exigência constitucional de lei complementar para dispor acerca da prescrição tributária (art. 146, III, b, da CF/1988). 2. Diferença entre prescrição ordinária tributária e prescrição intercorrente tributária. 3. A prescrição consiste na perda da pretensão em virtude da inércia do titular (ou do seu exercício de modo ineficaz), em período previsto em lei. Em matéria tributária, trata-se de hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156, V, do CTN). 4. A prescrição ordinária tributária (ou apenas prescrição tributária) se inicia com a constituição definitiva do crédito tributário e baliza o exercício da pretensão de cobrança pelo credor, de modo a inviabilizar a propositura da demanda após o exaurimento do prazo de 5 (cinco) anos. A prescrição intercorrente tributária, por sua vez, requer a propositura prévia da execução fiscal, verificando-se no curso desta. Nesse caso, há a perda da pretensão de prosseguir com a cobrança. 5. A prescrição intercorrente obedece à natureza jurídica do crédito subjacente à demanda. Se o prazo prescricional ordinário é de 5 (cinco) anos, o prazo de prescrição intercorrente será também de 5 (cinco) anos. 6. Desnecessidade de lei complementar para dispor sobre prescrição intercorrente tributária. A prescrição intercorrente tributária foi introduzida pela Lei nº 6.830/1980, que tem natureza de lei ordinária. O art. 40 desse diploma não afronta o art. 146, III, b, da CF/1988, pois o legislador ordinário se limitou a transpor o modelo estabelecido pelo art. 174 do CTN, adaptando-o às particularidades da prescrição intercorrente. Observa ainda o art. 22, I, da CF/1988, porquanto compete à União legislar sobre direito processual. 7. O prazo de suspensão de 1 (um) ano (art. 40, § 1º, da Lei nº 6.830/1980) busca estabilizar a ruptura processual no tempo, de modo a ser possível constatar a probabilidade remota ou improvável de satisfação do crédito. Não seria consistente com o fim do feito executivo que, na primeira dificuldade de localizar o devedor ou encontrar bens penhoráveis, se iniciasse a contagem do prazo prescricional. Trata-se de mera condição processual da prescrição intercorrente, que pode, portanto, ser disciplinada por lei ordinária. 8. Termo inicial de contagem da prescrição intercorrente tributária. Não é o arquivamento dos autos que caracteriza o termo a quo da prescrição intercorrente, mas o término da suspensão anual do processo executivo. 9. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com a fixação da seguinte tese de julgamento: “É constitucional o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos”.
(RE 636562, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n  DIVULG 03-03-2023  PUBLIC 06-03-2023) Grifo nosso.


Questão

Assinale a alternativa correta: 

(A) Diante do art. 146, III, “b”, da Constituição Federal, é constitucional o art. 40, §4º, da Lei 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), que regula a prescrição intercorrente no processo de execução fiscal, tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos. 

(B) Por força do art. 146, III, “b”, e do art. 195, §12, ambos da ordem de 1988, é constitucional o art. 13 da Lei nº 8.620/1993, na parte em que estabelece que os sócios de empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, por débitos junto à Seguridade Social. 

(C) O art. 139, IV, do CPC/2015, confere ao magistrado medidas extraordinárias (atípicas), de forma adicional ou subsidiária, quando as providências ordinárias (típicas, como penhora) se mostrarem ineficazes ou insuficientes para a exigência do crédito executado, sendo também necessário que o devedor se mostre furtivo no cumprimento de suas obrigações. Para a formação de seu convencimento, o magistrado está autorizado a utilizar indícios sobre a existência de recursos financeiros por parte do devedor que protela o pagamento da dívida, não podendo se amparar, tão somente, no combate à morosidade da prestação jurisdicional. Segundo o STF, dentre essas medidas excepcionais possíveis estão a proibição de participação em concurso e em licitação pública, mas não a apreensão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, ou a suspensão do direito de dirigir, sob pena de violação ao direito fundamental de liberdade de locomoção. 

(D) A contribuição destinada ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae possui natureza de contribuição no interesse de categoria profissional ou econômica, e não necessita de edição de lei complementar para ser instituída. 

(E) Segundo o Tema 290/STJ, se o ato translativo foi praticado a partir de 09/06/2005 (data de início da vigência da Lei Complementar nº 118/2005), basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude presumida. No caso de a alienação ter ocorrido antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 118/2005 (que alterou o art. 185 do CTN), presume-se fraude à execução se o negócio jurídico tiver sido celebrado após a citação do devedor. Contudo, aplica-se à execução fiscal a Súmula 375/STJ, segundo a qual o reconhecimento da fraude à execução depende de prova da má-fé do vendedor e do terceiro adquirente.

Gabarito: A

O redirecionamento da execução fiscal pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido

Julgado cobrado na prova do TRF3 para o cargo de Juiz(a) Federal Substituto(a), realizada em 2025.


Destaque (Informativo nº 738 do STJ)

"O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN"


Ementa
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA OU PRESUNÇÃO DE SUA OCORRÊNCIA. SÚMULA 435/STJ. REDIRECIONAMENTO A SÓCIO-GERENTE OU A ADMINISTRADOR. CONDIÇÃO: EXERCÍCIO DA ADMINISTRAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA, NO MOMENTO DE SUA DISSOLUÇÃO IRREGULAR. INEXISTÊNCIA DE EXERCÍCIO DA ADMINISTRAÇÃO, QUANDO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO TRIBUTO INADIMPLIDO OU DO SEU VENCIMENTO. IRRELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I. Recurso Especial, interposto pela Fazenda Nacional, contra acórdão publicado na vigência do CPC/73, aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 2/2016, do STJ, aprovado na sessão plenária de 09/03/2016 ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça").
II. Trata-se de Recurso Especial, interposto pela Fazenda Nacional, contra acórdão do Tribunal de origem que, ao negar provimento ao Agravo de Instrumento, manteve a decisão que, em Execução Fiscal, havia indeferido o requerimento de inclusão, no polo passivo do feito executivo, de sócio que, embora haja ingressado no quadro social em 31/07/2012, após a ocorrência do fato gerador do tributo inadimplido, de dezembro de 2007 a setembro de 2010, detinha poderes de administração da pessoa jurídica executada, à época em que presumida a sua dissolução irregular, em 14/03/2014, quando não localizada no seu domicílio fiscal, conforme certidão do Oficial de Justiça.
III. O tema ora em apreciação, submetido ao rito dos recursos especiais representativos de controvérsia, nos termos dos arts.
1.036 a 1.041 do CPC/2015, restou assim delimitado: "À luz do art. 135, III, do CTN, o redirecionamento da Execução Fiscal, quando fundado na hipótese de dissolução irregular da sociedade empresária executada ou de presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), pode ser autorizado contra: (i) o sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), e que, concomitantemente, tenha exercido poderes de gerência, na data em que ocorrido o fato gerador da obrigação tributária não adimplida;
ou (ii) o sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), ainda que não tenha exercido poderes de gerência, na data em que ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido".
IV. No exercício da atividade econômica, ocorre amiúde, em razão de injunções várias, o inadimplemento de obrigações assumidas por pessoas jurídicas. Não é diferente na esfera tributária. Embora se trate inegavelmente de uma ofensa a bem jurídico da Administração tributária, o desvalor jurídico do inadimplemento não autoriza, por si só, a responsabilização do sócio-gerente. Nesse sentido, aliás, o enunciado 430 da Súmula do STJ - em cuja redação se lê que "o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente" -, bem como a tese firmada no REsp repetitivo 1.101.728/SP (Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 23/03/2009), que explicita que "a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa" (Tema 97 do STJ).
V. Tal conclusão é corolário da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Se, nos termos do art. 49-A, caput, do Código Civil, incluído pela Lei 13.874/2019, "a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores", decorre que o simples inadimplemento de tributos não pode gerar, por si só, consequências negativas no patrimônio dos sócios. Como esclarece o parágrafo único do aludido artigo, a razão de ser da autonomia patrimonial, "instrumento lícito de alocação e segregação de riscos", é "estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos".
Naturalmente, a autonomia patrimonial não é um fim em si, um direito absoluto e inexpugnável. Por isso mesmo, a legislação, inclusive a civil, comercial, ambiental e tributária estabelece hipóteses de responsabilização dos sócios e administradores por obrigações da pessoa jurídica. No Código Tributário Nacional, entre outras hipóteses, destaca-se a do inciso III do seu art. 135, segundo o qual "são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (...) os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado".
VI. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito consolidou o entendimento no sentido de que "a não-localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular", o que torna possível a "responsabilização do sócio-gerente a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder" (EREsp 852.437/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 03/11/2008). A matéria, inclusive, é objeto do enunciado 435 da Súmula do STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".
VII. O Plenário do STF, ao julgar, sob o regime de repercussão geral, o Recurso Extraordinário 562.276/PR (Rel. Ministra ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, DJe de 10/02/2011), correspondente ao tema 13 daquela Corte, deixou assentado que "essencial à compreensão do instituto da responsabilidade tributária é a noção de que a obrigação do terceiro, de responder por dívida originariamente do contribuinte, jamais decorre direta e automaticamente da pura e simples ocorrência do fato gerador do tributo (...) O pressuposto de fato ou hipótese de incidência da norma de responsabilidade, no art. 135, III, do CTN, é a prática de atos, por quem esteja na gestão ou representação da sociedade com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos e que tenham implicado, se não o surgimento, ao menos o inadimplemento de obrigações tributárias".
VIII. No Recurso Especial repetitivo 1.371.128/RS (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 17/09/2014), sob a rubrica do tema 630, a Primeira Seção do STJ assentou a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica executada, não apenas nas execuções fiscais de dívida ativa tributária, mas também nas de dívida ativa não tributária. O voto condutor do respectivo acórdão registrou que a Súmula 435/STJ "parte do pressuposto de que a dissolução irregular da empresa é causa suficiente para o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente" e que "é obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 a 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 - onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência - ou na forma da Lei 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei".
IX. No âmbito da Primeira Turma do STJ está consolidado entendimento no sentido de que, "embora seja necessário demonstrar quem ocupava o posto de gerente no momento da dissolução, é necessário, antes, que aquele responsável pela dissolução tenha sido também, simultaneamente, o detentor da gerência na oportunidade do vencimento do tributo". Isso porque "só se dirá responsável o sócio que, tendo poderes para tanto, não pagou o tributo (daí exigir-se seja demonstrada a detenção de gerência no momento do vencimento do débito) e que, ademais, conscientemente optou pela irregular dissolução da sociedade (por isso, também exigível a prova da permanência no momento da dissolução irregular)" (STJ, AgRg no REsp 1.034.238/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/05/2009). No mesmo sentido, os seguintes precedentes: STJ, AgRg no AREsp 647.563/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 17/11/2020; AgInt no REsp 1.569.844/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/10/2016;
AREsp 838.948/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/10/2016; AgInt no REsp 1.602.080/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 21/09/2016; AgInt no AgInt no AREsp 856.173/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/09/2016.
X. A Segunda Turma do STJ, embora, num primeiro momento, adotasse entendimento idêntico, no sentido de que "não é possível o redirecionamento da execução fiscal em relação a sócio que não integrava a sociedade à época dos fatos geradores e no momento da dissolução irregular da empresa executada" (STJ, AgRg no AREsp 556.735/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/10/2014), veio, posteriormente, a adotar ótica diversa. Com efeito, no julgamento, em 16/06/2015, do REsp 1.520.257/SP, de relatoria do Ministro OG FERNANDES (DJe de 23/06/2015), a Segunda Turma, ao enfrentar hipótese análoga à ora em julgamento, passou a condicionar a responsabilização pessoal do sócio-gerente a um único requisito, qual seja, encontrar-se o referido sócio no exercício da administração da pessoa jurídica executada no momento de sua dissolução irregular ou da prática de ato que faça presumir a dissolução irregular. O fundamento para tanto consiste na conjugação do art. 135, III, do CTN com o enunciado 435 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. De fato, na medida em que a hipótese que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração à lei, evidenciada pela dissolução irregular da pessoa jurídica executada, revela-se indiferente o fato de o sócio-gerente responsável pela dissolução irregular não estar na administração da pessoa jurídica à época do fato gerador do tributo inadimplido. Concluiu a Segunda Turma, no aludido REsp 1.520.257/SP, alterando sua jurisprudência sobre o assunto, que "o pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular ou em ato que presuma sua ocorrência - encerramento das atividades empresariais no domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes (Súmula 435/STJ) -, pressupõe a permanência do sócio na administração da sociedade no momento dessa dissolução ou do ato presumidor de sua ocorrência, uma vez que, nos termos do art. 135, caput, III, CTN, combinado com a orientação constante da Súmula 435/STJ, o que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração de lei evidenciada na existência ou presunção de ocorrência de referido fato. Consideram-se irrelevantes para a definição da responsabilidade por dissolução irregular (ou sua presunção) a data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, bem como o momento em que vencido o prazo para pagamento do respectivo débito".
Após a mudança jurisprudencial, o novo entendimento foi reafirmado noutras oportunidades: STJ, REsp 1.726.964/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/11/2018; AgInt no AREsp 948.795/AM, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/08/2017; AgRg no REsp 1.541.209/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/05/2016; AgRg no REsp 1.545.342/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/09/2015.
XI. Além das pertinentes considerações feitas pelo Ministro OG FERNANDES, no sentido de que o fato ensejador da responsabilidade tributária é a dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou a presunção de sua ocorrência - o que configura infração à lei, para fins do art. 135, III, do CTN -, é preciso observar que a posição da Primeira Turma pode gerar uma estrutura de incentivos não alinhada com os valores subjacentes à ordem tributária, sobretudo o dever de pagar tributos. Com efeito, o entendimento pode criar situação em que, mesmo diante da ocorrência de um ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, inexistirá sanção, em hipótese em que, sendo diversos os sócios-gerentes ou administradores, ao tempo do fato gerador do tributo inadimplido e ao tempo da dissolução irregular da pessoa jurídica executada, a responsabilidade tributária não poderia ser imputada a qualquer deles.
XII. Ademais, o entendimento da Segunda Turma encontra respaldo nas razões de decidir do Recurso Especial repetitivo 1.201.993/SP (Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 12/12/2019), no qual se discutiu a prescrição para o redirecionamento da execução fiscal e no qual o Relator consignou que "o fundamento que justificou a orientação adotada é que a responsabilidade tributária de terceiros, para os fins do art. 135 do CTN, pode resultar tanto do ato de infração à lei do qual resulte diretamente a obrigação tributária, como do ato infracional praticado em momento posterior ao surgimento do crédito tributário que inviabilize, porém, a cobrança do devedor original. (...) ou seja, a responsabilidade dos sócios com poderes de gerente, pelos débitos empresariais, pode decorrer tanto da prática de atos ilícitos que resultem no nascimento da obrigação tributária como da prática de atos ilícitos ulteriores à ocorrência do fato gerador que impossibilitem a recuperação do crédito tributário contra o seu devedor original".
XIII. Tese jurídica firmada: "O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN."
XIV. Caso concreto: Recurso Especial provido.
XV. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do RISTJ).
(REsp n. 1.645.333/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 25/5/2022, DJe de 28/6/2022.) Grifo nosso.


Julgado correlato (tema repetitivo nº 962 do STJ)

Tese jurídica firmada: "O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III, do CTN."
(REsp n. 1.776.138/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 24/11/2021, DJe de 1/12/2021.)


Questão
No que se refere à possibilidade de redirecionamento de execução fiscal por dissolução irregular da pessoa jurídica, ou na presunção de sua ocorrência, assinale a alternativa correta: 

(A) Em razão das garantias e privilégios do crédito tributário (art. 183 do CTN), o redirecionamento pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora com poderes de gerência ao tempo do fato gerador da obrigação tributária não paga, regularmente se retirou da empresa e não deu causa à sua posterior dissolução irregular. 

(B) À luz do art. 135, III, do CTN, o Tema 981/STJ admitiu o redirecionamento da somente contra o sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), e que, concomitantemente, tenha exercido poderes de gerência, na data em que ocorrido o fato gerador da obrigação tributária não adimplida. 

(C) Com base no art. 135, III, do CTN, o Tema 981/STJ admitiu o redirecionamento da somente em relação ao sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ). 

(D) A dissolução irregular da pessoa jurídica não autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra sócios e terceiros (disregard of legal entity), mas dada a responsabilidade pessoal por ato ilícito ou violação do contrato social, é possível esse redirecionar a dívida da empresa quando comprovada fraude no abandono de suas atividades, especificamente em relação àqueles que tinham poderes de gerência na área da empresa que cuidava de obrigações tributárias. 

(E) Em vista do art. 135, III, do CTN, o Tema 981/STJ reconhece a possibilidade de redirecionamento contra: (i) o sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), e que, concomitantemente, tenha exercido poderes de gerência, na data em que ocorrido o fato gerador da obrigação tributária não adimplida; ou (ii) o sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), ainda que não tenha exercido poderes de gerência, na data em que ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido

Gabarito: E

quinta-feira, 29 de maio de 2025

É constitucional a Emenda Constitucional nº 96/2017, que estabelece que práticas desportivas com animais, como a vaquejada, não são consideradas cruéis

Tema cobrado na segunda do concurso para o cargo de Promotor(a) de Justiça Substituto(a) do MP/SP


Síntese do julgado

É constitucional a Emenda Constitucional nº 96/2017, que estabelece que práticas desportivas com animais, como a vaquejada, não são consideradas cruéis, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio cultural imaterial e regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.


Resumo (Informativo nº 1.169 do STF)

"É constitucional — por não configurar violação às cláusulas pétreas e por respeitar os limites formais e materiais da Constituição Federal de 1988 — a Emenda Constitucional nº 96/2017 (CF/1988, art. 225, § 7º), que estabelece que práticas desportivas com animais, como a vaquejada, não são consideradas cruéis, desde que sejam manifestações culturais registradas como patrimônio cultural imaterial e regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, alçada ao status de direito fundamental. Entre as medidas previstas para garantir um ambiente equilibrado, o texto constitucional impõe ao poder público a obrigação de proteger a fauna e a flora, ao vedar, na forma da lei, práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Por outro lado, também é garantido a todos o pleno exercício dos direitos culturais, ao determinar que é dever estatal apoiar e incentivar a valorização das manifestações culturais, além de proteger as expressões das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras e de outros grupos que participam do processo civilizatório nacional.

Na espécie, a EC nº 96/2017 foi uma resposta legislativa à decisão desta Corte na ADI 4.983/CE, em que se declarou a inconstitucionalidade da vaquejada no Estado do Ceará, sob o fundamento da presunção de esta ser uma atividade cruel.

Essa nova regra constitucional instituiu um comando de tutela do bem-estar animal, o que contribui para que a participação de animais em práticas desportivas se harmonize ao direito a um meio ambiente equilibrado. Dessa forma, a norma não representa violação da cláusula pétrea relativa aos direitos e às garantias fundamentais, pois preservou a obrigação ético-jurídica de proteção ambiental, atribuída por expressa disposição constitucional ao poder público, ao mesmo tempo em que buscou compatibilizar as tradições culturais com o dever de proteger os animais contra qualquer ato que os submeta à crueldade.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação para assentar a constitucionalidade da EC nº 96/2017."


Acórdão correlato

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. DIREITO DE ANTENA E DE ACESSO AOS RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO ÀS NOVAS AGREMIAÇÕES PARTIDÁRIAS CRIADAS APÓS A REALIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES. REVERSÃO LEGISLATIVA À EXEGESE ESPECÍFICA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NAS ADIs 4490 E 4795, REL. MIN. DIAS TOFFOLI. INTERPRETAÇÃO CONFORME DO ART. 47, § 2º, II, DA LEI DAS ELEIÇÕES, A FIM DE SALVAGUARDAR AOS PARTIDOS NOVOS, CRIADOS APÓS A REALIZAÇÃO DO PLEITO PARA A CÂMARA DOS DEPUTADOS, O DIREITO DE ACESSO PROPORCIONAL AOS DOIS TERÇOS DO TEMPO DESTINADO À PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA NO RÁDIO E NA TELEVISÃO. LEI Nº 12.875/2013. TEORIA DOS DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS. ARRANJO CONSTITUCIONAL PÁTRIO CONFERIU AO STF A ÚLTIMA PALAVRA PROVISÓRIA (VIÉS FORMAL) ACERCA DAS CONTROVÉRSIAS CONSTITUCIONAIS. AUSÊNCIA DE SUPREMACIA JUDICIAL EM SENTIDO MATERIAL. JUSTIFICATIVAS DESCRITIVAS E NORMATIVAS. PRECEDENTES DA CORTE CHANCELANDO REVERSÕES JURISPRUDENCIAIS (ANÁLISE DESCRITIVA). AUSÊNCIA DE INSTITUIÇÃO QUE DETENHA O MONOPÓLIO DO SENTIDO E DO ALCANCE DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS. RECONHECIMENTO PRIMA FACIE DE SUPERAÇÃO LEGISLATIVA DA JURISPRUDÊNCIA PELO CONSTITUINTE REFORMADOR OU PELO LEGISLADOR ORDINÁRIO. POSSIBILIDADE DE AS INSTÂNCIAS POLÍTICAS AUTOCORRIGIREM-SE. NECESSIDADE DE A CORTE ENFRENTAR A DISCUSSÃO JURÍDICA SUB JUDICE À LUZ DE NOVOS FUNDAMENTOS. PLURALISMO DOS INTÉRPRETES DA LEI FUNDAMENTAL. DIREITO CONSTITUCIONAL FORA DAS CORTES. ESTÍMULO À ADOÇÃO DE POSTURAS RESPONSÁVEIS PELOS LEGISLADORES. STANDARDS DE ATUAÇÃO DA CORTE. EMENDAS CONSTITUCIONAIS DESAFIADORAS DA JURISPRUDÊNCIA RECLAMAM MAIOR DEFERÊNCIA POR PARTE DO TRIBUNAL, PODENDO SER INVALIDADAS SOMENTE NAS HIPÓTESES DE ULTRAJE AOS LIMITES INSCULPIDOS NO ART. 60, CRFB/88. LEIS ORDINÁRIAS QUE COLIDAM FRONTALMENTE COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE (LEIS IN YOUR FACE) NASCEM PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE INCONSTITUCIONALIDADE, NOTADAMENTE QUANDO A DECISÃO ANCORAR-SE EM CLÁUSULAS SUPERCONSTITUCIONAIS (CLÁUSULAS PÉTREAS). ESCRUTÍNIO MAIS RIGOROSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ÔNUS IMPOSTO AO LEGISLADOR PARA DEMONSTRAR A NECESSIDADE DE CORREÇÃO DO PRECEDENTE OU QUE OS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E AXIOLÓGICOS QUE LASTREARAM O POSICIONAMENTO NÃO MAIS SUBSISTEM (HIPÓTESE DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL PELA VIA LEGISLATIVA). 1. O hodierno marco teórico dos diálogos constitucionais repudia a adoção de concepções juriscêntricas no campo da hermenêutica constitucional, na medida em que preconiza, descritiva e normativamente, a inexistência de instituição detentora do monopólio do sentido e do alcance das disposições magnas, além de atrair a gramática constitucional para outros fóruns de discussão, que não as Cortes. 2. O princípio fundamental da separação de poderes, enquanto cânone constitucional interpretativo, reclama a pluralização dos intérpretes da Constituição, mediante a atuação coordenada entre os poderes estatais – Legislativo, Executivo e Judiciário – e os diversos segmentos da sociedade civil organizada, em um processo contínuo, ininterrupto e republicano, em que cada um destes players contribua, com suas capacidades específicas, no embate dialógico, no afã de avançar os rumos da empreitada constitucional e no aperfeiçoamento das instituições democráticas, sem se arvorarem como intérpretes únicos e exclusivos da Carta da República. 3. O desenho institucional erigido pelo constituinte de 1988, mercê de outorgar à Suprema Corte a tarefa da guarda precípua da Lei Fundamental, não erigiu um sistema de supremacia judicial em sentido material (ou definitiva), de maneira que seus pronunciamentos judiciais devem ser compreendidos como última palavra provisória, vinculando formalmente as partes do processo e finalizando uma rodada deliberativa acerca da temática, sem, em consequência, fossilizar o conteúdo constitucional. 4. Os efeitos vinculantes, ínsitos às decisões proferidas em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade, não atingem o Poder Legislativo, ex vi do art. 102, § 2º, e art. 103-A, ambos da Carta da República. 5. Consectariamente, a reversão legislativa da jurisprudência da Corte se revela legítima em linha de princípio, seja pela atuação do constituinte reformador (i.e., promulgação de emendas constitucionais), seja por inovação do legislador infraconstitucional (i.e., edição de leis ordinárias e complementares), circunstância que demanda providências distintas por parte deste Supremo Tribunal Federal. 5.1. A emenda constitucional corretiva da jurisprudência modifica formalmente o texto magno, bem como o fundamento de validade último da legislação ordinária, razão pela qual a sua invalidação deve ocorrer nas hipóteses de descumprimento do art. 60 da CRFB/88 (i.e., limites formais, circunstanciais, temporais e materiais), encampando, neste particular, exegese estrita das cláusulas superconstitucionais. 5.2. A legislação infraconstitucional que colida frontalmente com a jurisprudência (leis in your face) nasce com presunção iuris tantum de inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador ordinário o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente faz-se necessária, ou, ainda, comprovar, lançando mão de novos argumentos, que as premissas fáticas e axiológicas sobre as quais se fundou o posicionamento jurisprudencial não mais subsistem, em exemplo acadêmico de mutação constitucional pela via legislativa. Nesse caso, a novel legislação se submete a um escrutínio de constitucionalidade mais rigoroso, nomeadamente quando o precedente superado amparar-se em cláusulas pétreas. 6. O dever de fundamentação das decisões judicial, inserto no art. 93 IX, da Constituição, impõe que o Supremo Tribunal Federal enfrente novamente a questão de fundo anteriormente equacionada sempre que o legislador lançar mão de novos fundamentos. 7. O Congresso Nacional, no caso sub examine, ao editar a Lei nº 12.875/2013, não apresentou, em suas justificações, qualquer argumentação idônea a superar os fundamentos assentados pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs nº 4430 e nº 4795, rel. Min. Dias Toffoli, em que restou consignado que o art. 17 da Constituição de 1988 – que consagra o direito político fundamental da liberdade de criação de partidos – tutela, de igual modo, as agremiações que tenham representação no Congresso Nacional, sendo irrelevante perquirir se esta representatividade resulta, ou não, da criação de nova legenda no curso da legislatura. 8. A criação de novos partidos, como hipótese caracterizadora de justa causa para as migrações partidárias, somada ao direito constitucional de livre criação de novas legendas, impõe a conclusão inescapável de que é defeso privar as prerrogativas inerentes à representatividade política do parlamentar trânsfuga. 9. No caso sub examine, a justificação do projeto de lei limitou-se a afirmar, em termos genéricos, que a regulamentação da matéria, excluindo dos partidos criados o direito de antena e o fundo partidário, fortaleceria as agremiações partidárias, sem enfrentar os densos fundamentos aduzidos pelo voto do relator e corroborado pelo Plenário. 10. A postura particularista do Supremo Tribunal Federal, no exercício da judicial review, é medida que se impõe nas hipóteses de salvaguarda das condições de funcionamento das instituições democráticas, de sorte (i) a corrigir as patologias que desvirtuem o sistema representativo, máxime quando obstruam as vias de expressão e os canais de participação política, e (ii) a proteger os interesses e direitos dos grupos políticos minoritários, cujas demandas dificilmente encontram eco nas deliberações majoritárias. 11. In casu, é inobjetável que, com as restrições previstas na Lei nº 12.875/2013, há uma tentativa obtusa de inviabilizar o funcionamento e o desenvolvimento das novas agremiações, sob o rótulo falacioso de fortalecer os partidos políticos. Uma coisa é criar mecanismos mais rigorosos de criação, fusão e incorporação dos partidos, o que, a meu juízo, encontra assento constitucional. Algo bastante distinto é, uma vez criadas as legendas, formular mecanismos normativos que dificultem seu funcionamento, o que não encontra guarida na Lei Maior. Justamente por isso, torna-se legítima a atuação do Supremo Tribunal Federal, no intuito de impedir a obstrução dos canais de participação política e, por via de consequência, fiscalizar os pressupostos ao adequado funcionamento da democracia. 12. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º, da Lei nº 12.875/2013.

(ADI 5105, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01-10-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049  DIVULG 15-03-2016  PUBLIC 16-03-2016) Grifo nosso.


Questão (segunda fase do MP/SP)

Direito Constitucional 

QUESTÃO 01 – O ativismo legislativo, também denominado de reação legislativa, é uma das várias formas de materialização do efeito backlash. Considerando o marco teórico do constitucionalismo democrático e a teoria dos diálogos institucionais, discorra a respeito do ativismo legislativo, abrangendo sua definição, fundamentos constitucionais, benefícios e limitações. Como exemplo concreto, aborde a reação desencadeada a partir do julgamento da ADI 4.983/2016, pelo STF, conhecido como Caso Vaquejada.

Não cabe acordo de não persecução penal nos crimes raciais, o que inclui as condutas resultantes de atos homofóbicos

Julgado cobrado na prova do TRF3 para o cargo de Juiz(a) Federal Substituto(a), realizada em 2025.


Destaque (informativo nº 821 do STJ)

"Não cabe acordo de não persecução penal nos crimes raciais, o que inclui as condutas resultantes de atos homofóbicos."


Informações do inteiro teor 

"Na forma do art. 28-A, § 7º, do CPP, o juiz poderá recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal que não atender aos requisitos legais, que inclui a necessidade e suficiência do ANPP à reprovação e prevenção do crime (art. 28-A, caput, do CPP).

Nessa linha de intelecção, a Segunda Turma do STF sedimentou o entendimento de que, seguindo a teleologia da excepcionalidade do inciso IV do § 2º do art. 28-A do CPP, - que veda a aplicação do ANPP "nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor" -, o alcance material para a aplicação do acordo "despenalizador" e a inibição da persecutio criminis exige conformidade com a Constituição Federal e com os compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado brasileiro, com vistas à preservação do direito fundamental à não discriminação (art. 3º, inciso IV, da CF), não abrangendo, desse modo, os crimes raciais (nem a injúria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, nem os delitos previstos na Lei n. 7.716/1989). (STF, RHC 222.599, Rel. Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 22/3/2023).

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26, reconhecendo o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da CF, deu interpretação conforme à Constituição, para enquadrar a homofobia e a transfobia, expressões de racismo em sua dimensão social, nos diversos tipos penais definidos na Lei n. 7.716/1989, atribuindo a essas condutas o tratamento legal conferido ao crime de racismo, até que sobrevenha legislação autônoma. (STF, ADO 26, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe 6/10/2020).

No caso, o Tribunal de origem manteve afastada a pretensão de homologação do ANPP celebrado entre o Parquet e a autora dos supostos atos homofóbicos, conduta que se enquadra, em tese, na Lei n. 7.716/1989 ou no art. 140, § 3º, do Código Penal, com fundamento na insuficiência do ajuste proposto à reprovação e prevenção do crime, objeto de investigação, à luz do direito fundamental à não discriminação, entendimento que se coaduna com a jurisprudência do STF e deste Tribunal Superior."


Ementa

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE. HOMOFOBIA. CRIME RACIAL EM SUA DIMENSÃO SOCIAL. DIREITO FUNDAMENTAL À NÃO DISCRIMINAÇÃO. LEI N. 7.716/1989. ARTIGO 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL SOBRE O ATO NEGOCIAL. ARTIGO 28-A, § 7º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PLEITO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO CELEBRADO ENTRE ÓRGÃO MINISTERIAL E INVESTIGADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REQUISITO LEGAL. INSUFICIÊNCIA DO AJUSTE PROPOSTO À REPROVAÇÃO E PREVENÇÃO DO CRIME. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Inviável a apreciação de matéria constitucional por esta Corte Superior, ainda que para fins de prequestionamento, porquanto, por expressa disposição da própria Constituição Federal (art. 102, inciso III), se trata de competência reservada ao Supremo Tribunal Federal.

Precedentes.

2. A Lei n. 13.964/2019, conhecida como ?Pacote Anticrime?, inseriu no Código de Processo Penal o art. 28-A, que disciplina o instrumento de política criminal denominado Acordo de Não Persecução Penal - ANPP, consistente em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal, para certos crimes, mediante o cumprimento de algumas condições e desde que preenchidos os requisitos legais.

3. Assim, o membro do Ministério Público, ao se deparar com os autos de um inquérito policial, além de verificar a existência de indícios de autoria e materialidade, deverá analisar o preenchimento dos requisitos autorizadores da celebração do ANPP, os quais estão expressamente previstos no art. 28-A, do CPP: (i) confissão formal e circunstancial; (ii) infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos; e (iii) medida necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

4. Se, por um lado, cabe ao órgão ministerial justificar expressamente o não oferecimento do ANPP, postura passível de controle pela instância superior do Ministério Público, após provocação do investigado, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, por outro, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, "o acordo de não persecução penal (ANPP) não constitui direito subjetivo do investigado, podendo ser proposto pelo Ministério Público conforme as peculiaridades do caso concreto e quando considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção do delito" (AgRg no RHC n. 193.320/SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe 16/5/2024). Precedentes.

5. Na forma do art. 28-A, § 7º, do CPP, o juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, o que inclui a necessidade e suficiência do ANPP e de suas condições à reprovação e prevenção do crime (art. 28-A, caput, do CPP).

6. Nessa linha de intelecção, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC n. 222.599, realizado em 7/2/2023, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, sedimentou o entendimento de que, seguindo a teleologia da excepcionalidade do inciso IV do § 2º do art. 28-A do CPP ? que veda a aplicação do ANPP "nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor" ?, o alcance material para a aplicação do acordo "despenalizador" e a inibição da persecutio criminis exige conformidade com a Constituição Federal e com os compromissos assumidos internacionalmente pelo Estado brasileiro, com vistas à preservação do direito fundamental à não discriminação (art. 3º, inciso IV, da CF), não abrangendo, desse modo, os crimes raciais (nem a injúria racial, prevista no art. 140, § 3º, do CP, nem os delitos previstos na Lei n. 7.716/1989).

- Descabe, com efeito, ao Tribunal da Cidadania ofertar, no ponto, outra hermenêutica constitucional.

7. O Supremo Tribunal Federal, na apreciação da ADO n. 26, de relatoria do Ministro Celso de Mello, reconhecendo o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da CF, deu interpretação conforme à Constituição, para enquadrar a homofobia e a transfobia, expressões de racismo em sua dimensão social, nos diversos tipos penais definidos na Lei n. 7.716/1989, atribuindo a essas condutas, até que sobrevenha legislação autônoma, o tratamento legal conferido ao crime de racismo.

8. Na espécie, o Tribunal de origem, na apreciação do recurso ministerial, manteve afastada a pretensão de homologação do ANPP celebrado entre o Parquet e a ora recorrida, envolvendo a suposta prática de atos homofóbicos, conduta que se enquadra, em tese, na Lei n. 7.716/1989 ou no art. 140, § 3º, do CP, com fundamento na insuficiência do ajuste proposto à reprovação e prevenção do crime, objeto de investigação, à luz do direito fundamental à não discriminação, entendimento que se coaduna com a jurisprudência do STF e deste Tribunal Superior.

9. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 2.607.962/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 29/8/2024.) Grifo nosso.


Questão

Assinale a alternativa correta quanto ao acordo de não persecução penal: 

(A) Segundo entendimento do STJ, o acordo de não persecução penal possui natureza processual, devendo ser aplicado o princípio da imediatidade à norma que o instituiu e não a retroatividade de norma mais benéfica. 

(B) Não cabe acordo de não persecução penal nos crimes fiscais porque uma de suas condições – a reparação do dano, exceto na impossibilidade de fazê-lo – constitui causa extintiva da punibilidade pelo cumprimento da obrigação tributária. 

(C) Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições impostas no acordo de não persecução penal, deverá encaminhar imediatamente os autos ao Procurador Geral ou às instâncias de revisão ministerial. 

(D) Segundo a jurisprudência do STJ, o acordo de não persecução penal é inaplicável para os crimes de homofobia e transfobia, atribuindo-se a essas condutas o tratamento legal conferido ao crime de racismo. 

(E) A audiência de homologação do acordo de não persecução penal poderá ser dispensada se ficar demonstrada a legalidade da proposta realizada e aceitação do investigado e de sua defesa.

Gabarito: D

terça-feira, 27 de maio de 2025

É constitucional a instituição do Juiz das Garantias

Julgado cobrado na prova do TRF3 para o cargo de Juiz(a) Federal Substituto(a), realizada em 2025.


Resumo (informativo 1.106 do STF)

"É constitucional o art. 3º da Lei 2019/13.964 (Lei Anticrime), especificamente quanto à instituição e à implementação do juiz das garantias no processo penal brasileiro, porquanto trata de questões atinentes ao processo penal, matéria da competência legislativa privativa da União (CF/1988, art. 22, I), que tem natureza cogente sobre todos os entes federativos e os Poderes da República. No entanto, é formalmente inconstitucional — por configurar invasão desarrazoada à autonomia administrativa e ao poder de auto-organização do Judiciário (CF/1988, art. 96, I) — a introdução, pela Lei Anticrime, do parágrafo único do art. 3º-D do CPP, que impõe a criação de um “sistema de rodízio de magistrados” nas comarcas em que funcionar um único juiz.

A implementação do juiz das garantias visa garantir uma maior imparcialidade, a proteção de direitos fundamentais e o aprimoramento do sistema judicial. Contudo, para viabilizar a adoção do instituto de forma progressiva e programada pelos tribunais, é necessário fixar prazo de transição mais dilatado e adequado ao equacionamento da reorganização do Poder Judiciário nacional. 

A atuação do juiz das garantias se encerra com o oferecimento da denúncia ou da queixa, e não com o recebimento de uma delas, devendo o juiz da instrução ter acesso aos elementos produzidos no inquérito policial ou no procedimento investigativo criminal. Restringir esse acesso afeta diretamente a independência funcional do magistrado em exercer seu julgamento motivado, em busca da verdade real. Não se pode presumir que o simples contato com os elementos que ensejaram a denúncia seja apto a vulnerar a imparcialidade do julgador. 

Ademais, a inobservância do prazo previsto em lei não causa a revogação automática da prisão e o juízo competente deve ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram (1). Não é razoável, proporcional ou obediente ao primado da inafastabilidade da jurisdição, exigir que, em toda e qualquer hipótese, independentemente de suas peculiaridades e dos riscos envolvidos, a prisão seja automaticamente relaxada. 

Além de não abranger as infrações de menor potencial ofensivo (CPP/1941, art. 3º-C), o juiz das garantias também não se aplica: (i) aos tribunais, pois a colegialidade, por si só, é fato e reforço da independência e da imparcialidade judicial, a justificar a diferença de tratamento; (ii) aos processos de competência do Tribunal do Júri, pela mesma lógica do item anterior; e (iii) aos processos criminais de violência doméstica e familiar, porque a natureza desses casos exige disciplina processual penal específica, que traduza um procedimento mais dinâmico, apto a promover o pronto e efetivo amparo e proteção da vítima. 

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, ao analisar algumas das modificações ao CPP/1941, implementadas pela Lei 13.964/2019 (2), julgou parcialmente procedentes as ações para: 

I. por maioria, atribuir interpretação conforme ao art. 3º-A do CPP, para assentar que o juiz, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, pode determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento do mérito; 

II. por maioria, declarar a constitucionalidade do caput do art. 3º-B do CPP, e, por unanimidade, fixar o prazo de doze meses, a contar da publicação da ata do julgamento, para que sejam adotadas as medidas legislativas e administrativas necessárias à adequação das diferentes leis de organização judiciária, à efetiva implantação e ao efetivo funcionamento do juiz das garantias em todo o País, tudo conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e sob a supervisão dele. Esse prazo poderá ser prorrogado uma única vez, por no máximo doze meses, devendo a devida justificativa ser apresentada em procedimento realizado junto ao CNJ;

III. por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 20 da Lei 13.964/2019, quanto à fixação do prazo de trinta dias para a instalação dos juízes das garantias; 

IV. por unanimidade, atribuir interpretação conforme aos incisos IV, VIII e IX do art. 3º-B do CPP, para que todos os atos praticados pelo Ministério Público, como condutor de investigação penal, se submetam ao controle judicial (HC 89.837/DF) e fixar o prazo de até noventa dias, contados da publicação da ata do julgamento, para os representantes do Parquet encaminharem, sob pena de nulidade, todos os PIC e outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição; 

V. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao inciso VI do art. 3º-B do CPP, para prever que o exercício do contraditório será preferencialmente em audiência pública e oral; 

VI. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao inciso VII do art. 3º-B do CPP, para estabelecer que o juiz pode deixar de realizar a audiência quando houver risco para o processo, ou diferi-la em caso de necessidade; 

VII. por maioria, declarar a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 3º-B do CPP, e atribuir interpretação conforme para assentar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia

VIII. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 1º do art. 3º-B do CPP, para estabelecer que o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz das garantias, no prazo de 24 horas, salvo impossibilidade fática, momento em que se realizará a audiência com a presença do ministério público e da defensoria pública ou de advogado constituído, cabendo, excepcionalmente, o emprego de videoconferência, mediante decisão da autoridade judiciária competente, desde que este meio seja apto à verificação da integridade do preso e à garantia de todos os seus direitos; 

IX. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 2º do art. 3º-B do CPP, para assentar que: (a) o juiz pode decidir de forma fundamentada, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade da investigação; e (b) a inobservância do prazo previsto em lei não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram, nos termos da ADI 6.581/DF;

X. por unanimidade, atribuir interpretação conforme à primeira parte do caput do art. 3º-C do CPP, para esclarecer que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam às seguintes situações: (a) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei 8.038/1990; (b) processos de competência do tribunal do júri; (c) casos de violência doméstica e familiar; e (d) infrações penais de menor potencial ofensivo; 

XI. por maioria, declarar a inconstitucionalidade da expressão “recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código” contida na segunda parte do caput do art. 3º-C do CPP, e atribuir interpretação conforme para assentar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia; 

XII. por maioria, declarar a inconstitucionalidade do termo “Recebida” contido no § 1º do art. 3º-C do CPP, e atribuir interpretação conforme ao dispositivo para assentar que, oferecida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento; 

XIII. por maioria, declarar a inconstitucionalidade do termo “recebimento” contido no § 2º do art. 3º-C do CPP, e atribuir interpretação conforme ao dispositivo para assentar que, após o oferecimento da denúncia ou queixa, o juiz da instrução e julgamento deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de dez dias; 

XIV. por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP, e atribuir interpretação conforme para entender que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento; 

XV. por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade do caput do art. 3º-D do CPP; 

XVI. por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade formal do parágrafo único do art. 3º-D do CPP; 

XVII. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao art. 3º-E do CPP, para assentar que o juiz das garantias será investido, e não designado, conforme as normas de organização judiciária da União, dos estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal;

XVIII. por unanimidade, declarar a constitucionalidade do caput do art. 3º-F do CPP; 

XIX. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao parágrafo único do art. 3º-F do CPP, para assentar que a divulgação de informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso pelas autoridades policiais, Ministério Público e magistratura deve assegurar a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão; 

XX. por maioria, atribuir interpretação conforme ao caput do art. 28 do CPP, para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial, podendo encaminhar os autos para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação, na forma da lei; 

XXI. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 1º do art. 28 do CPP, para assentar que, além da vítima ou de seu representante legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia no ato do arquivamento; 

XXII. por unanimidade, declarar a constitucionalidade dos arts. 28-A, caput, III, IV e §§ 5º, 7º e 8º do CPP; 

XXIII. por maioria, declarar a inconstitucionalidade do § 5º do art. 157 do CPP; 

XXIV. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao caput do art. 310 do CPP, para assentar que o juiz, em caso de urgência e se o meio se revelar idôneo, poderá realizar a audiência de custódia por videoconferência; 

XXV. por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 4º do art. 310 do CPP, para assentar que a autoridade judiciária deverá avaliar se estão presentes os requisitos para a prorrogação excepcional do prazo ou para sua realização por videoconferência, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva; e 

XXVI. por unanimidade, fixar a seguinte regra de transição: quanto às ações penais já instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, a eficácia da lei não acarretará qualquer modificação do juízo competente." (Grifo nosso).


Questão

Considerando o entendimento do STF, assinale a alternativa correta: 

(A) A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as contravenções penais, e cessa com o oferecimento da denúncia ou queixa. 

(B) O juiz que atuar como juiz das garantias na fase de investigação ficará impedido de funcionar no processo em razão do princípio da imparcialidade. 

(C) Compete ao juiz das garantias assegurar ao investigado e ao seu defensor o acesso a todos os elementos informativos e provas produzidas na investigação criminal, salvo quanto às diligências em andamento. 

(D) Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição das partes, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou antecipação de provas. 

(E) Caberá ao juiz das garantias assegurar o contraditório e a ampla defesa, necessariamente em audiência pública e oral, caso decida prorrogar prisão provisória ou outra medida cautelar, substituí-las ou revogá-las.

Gabarito: C

Se o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes ficava disponível a usuários indefinidos e ilimitados, inclusive no estrangeiro, a competência para julgamento é da Justiça Federal

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