Julgado cobrado na prova do TRF3 para o cargo de Juiz(a) Federal Substituto(a), realizada em 2025.
Síntese do julgado
"Dada a íntima relação entre a posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam abrangidos pelo direito fundamental à cultura"
Ementa
Ação direta de inconstitucionalidade. Sertão baiano. Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto. Direitos territoriais. Concessão de direito real de uso de terras devolutas estaduais. Art. 3º, § 2º, da Lei nº 12.910/2013 do Estado da Bahia. Termo final para requerer a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas. Pretensão legislativa de cessar conflitos rurais e alcançar estabilidade social. Inconstitucionalidade. Medida inadequada, desnecessária e desproporcional. Ônus injustificado sobre a parte vulnerável. Proteção insuficiente do direito à existência e à reprodução física e cultural das comunidades tradicionais. Indissociabilidade dos direitos territoriais e do direito de existir como comunidade tradicional. Assimilação forçada à sociedade envolvente. Procedência. 1. A Constituição do Estado da Bahia prevê a concessão de uso das terras devolutas estaduais às comunidades de fundo e fecho de pasto, típicas do sertão baiano, nos biomas cerrado e caatinga. A origem dessas comunidades remonta ao processo de colonização, em particular com a interiorização por meio da pecuária. Tais comunidades adaptaram-se às condições climáticas da região e desenvolveram particular relação com as terras ocupadas, geridas de maneira coletiva. Construíram modos de vida e formas de organização próprias. Conciliam a existência de áreas comuns, em que criados animais soltos e realizadas outras atividades sociais, e áreas apossadas individualmente, para lavoura e moradia familiares. 2. Impugnado o art. 3º, § 2º, da Lei nº 12.910/2013 do Estado da Bahia, que impõe prazo à regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades de fundo e fecho de pasto mediante a concessão de uso: “Art. 3º (...). § 2º - Os contratos de concessão de direito real de uso de que trata esta Lei serão celebrados com as associações que protocolizem os pedidos de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária, nos órgãos competentes, até 31 de dezembro de 2018.” 3. Dada a íntima relação entre a posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam abrangidos pelo direito fundamental à cultura (art. 215, CF), em particular no que diz com a proteção dos grupos participantes do processo civilizatório nacional (§ 1º). Suas diferentes formas de expressão e modos de criar, fazer e viver integram o patrimônio cultural brasileiro (art. 216, I e II, CF) e devem ser objeto de tutela legislativa, administrativa e jurisdicional efetiva e adequada. 4. A posse tradicional e as expressões culturais que derivam da estreita relação entre as comunidades tradicionais e seu território integram sua identidade, que se traduz no pertencimento coletivo, nas particulares compreensões de mundo, nos imaginários coletivos, na relação travada com o local onde vivem (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai), de modo que o reconhecimento dos direitos territoriais exprime a afirmação da identidade étnico-racial e da trajetória histórica própria dos povos e comunidades tradicionais. 5. Negar a garantia às terras tradicionalmente ocupadas é negar a própria identidade, o reconhecimento da comunidade tradicional na sua singularidade cultural. É condenar o grupo culturalmente diferenciado, centrado na particular relação com o local que estrutura as suas formas de criar, fazer e viver, ao desaparecimento. É impor-lhe a assimilação à sociedade envolvente e violar a dignidade da pessoa humana em sua expressão comunitária (art. 1º, III, CF), com a anulação cultural e até mesmo física da comunidade. 6. A imposição de prazo fatal para que as comunidades apresentem requerimento de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária das terras tradicionais traduz limitação constitucionalmente injustificada, que não subsiste ao teste da proporcionalidade. Medida (i) inadequada para promover o fim dos conflitos fundiários, (ii) desnecessária para estancar dúvida dominial sobre as terras devolutas e cessar a violência a que sujeitas as comunidades e (iii) manifestamente desproporcional, ao impôr ônus excessivo à parte vulnerável, afastando o seu direito de existir e de reproduzir-se culturalmente, que demanda especial proteção. 7. Incompatibilidade do termo final estabelecido pela norma impugnada com os arts. 13 e 14 da Convenção nº 169 da OIT e com o art. 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos. 8. Violação dos arts. 1º, III, 5º, XXII, 215, § 1º, 216, I e § 1º, da Constituição. O direito fundamental à propriedade (art. 5º, XXII), compreendido à luz do direito fundamental à cultura e do direito humano à propriedade e à posse coletivas, traduz moldura normativa que abriga a proteção das formas tradicionais de pertencimento. 9. Apelo ao Estado da Bahia, a título de obiter dictum, instando-o a adotar todas as medidas legislativas, administrativas e judiciais necessárias para efetivar os direitos territoriais das comunidades de fundo e fecho de pasto, sem prejuízo da tutela devida às demais comunidades tradicionais do território baiano, em toda a sua diversidade. 10. Ação conhecida e pedido julgado procedente.
(ADI 5783, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 06-09-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-11-2023 PUBLIC 14-11-2023) Grifo nosso.
Questão
Assinale a alternativa correta:
(A) As modalidades de pagamento por serviços ambientais
poderão ser previamente pactuadas entre pagadores e
provedores, mas o órgão gestor da PNPSA deverá estabelecer
outras modalidades por atos normativos.
(B) No contexto dos direitos territoriais, os povos e comunidades
tradicionais poderão ter o direito de voltar a suas terras
tradicionais, ainda que persistam as causas que motivaram
seus translados com reassentamento, conforme a Convenção
OIT 169.
(C) Ao aplicar as disposições da Convenção OIT 169, os governos
poderão consultar os povos interessados, mediante
procedimentos apropriados, cada vez que sejam previstas
medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los
diretamente, de forma livre, prévia, informada e de boa fé.
(D) Nos casos de isenção da obrigação de repartição de benefícios
pelas microempresas, empresas de pequeno porte,
microempreendedores individuais, agricultores tradicionais e
suas cooperativas, nos termos dos dispositivos da Lei nº
13.123/2015, os detentores do conhecimento tradicional
associado à biodiversidade ficam excluídos de programas de
repartição de benefícios para manutenção dos sistemas de
cultivo.
(E) Segundo o STF, é constitucionalmente legítima a
indissociabilidade dos direitos territoriais e do direito de existir
como comunidade tradicional. Dada a íntima relação entre a
posse das terras coletivas e a reprodução física e cultural das
comunidades tradicionais, os direitos territoriais resultam
abrangidos pelo direito fundamental à cultura (art. 215 da
Constituição da República).
Gabarito: E
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