A lei brasileira não tem aplicação em relação à sucessão dos bens no exterior, inclusive para fins de eventual compensação de legítimas

Julgado cobrado na primeira fase do concurso do TRF1 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ

A lei brasileira não tem aplicação em relação à sucessão dos bens no exterior, inclusive para fins de eventual compensação de legítimas.


Ementa

RECURSO ESPECIAL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E INTERNACIONAL PRIVADO. INVENTÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. BENS SITUADOS NO EXTERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LOCAL. LIMITES DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA. DIREITO MATERIAL. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DO DIREITO ALIENÍGENA. ANTECIPAÇÃO DA MEAÇÃO. ART. 651 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. O propósito recursal consiste em decidir sobre: i) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; ii) a competência para processar inventário de falecido residente no Brasil, mas que possuía bens no exterior; iii) a possibilidade de compensação de legítimas; e iv) a inviabilidade de antecipação da meação.

2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.

3. É de competência exclusiva da autoridade brasileira, com exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder ao inventário de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (art. 23, II, do CPC/2015).

4. A lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) elegeu o domicílio como relevante regra de conexão para solver conflitos decorrentes de situações jurídicas relacionadas a mais de um sistema legal (conflitos de leis interespaciais), porquanto consistente na própria sede jurídica do indivíduo. Em que pese a prevalência da lei do domicílio do indivíduo para regular as suas relações jurídicas pessoais, conforme preceitua a LINDB, esta regra de conexão não é absoluta.

5. Especificamente à lei regente da sucessão, pode-se assentar, de igual modo, que o art. 10 da LINDB, ao estabelecer a lei do domicílio do autor da herança para regê-la, não assume caráter absoluto. A conformação do direito internacional privado exige a ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do de cujus.

6. O entendimento que tem prevalecido nesta Corte Superior é o de que a lei brasileira não tem aplicação em relação à sucessão dos bens no exterior, inclusive para fins de eventual compensação de legítimas. Precedentes.

7. A justiça brasileira não é competente para apreciar questões relativas aos bens situados no exterior, consistentes, na espécie, em participações societárias do de cujus em duas offshores sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, nem sequer para se computar para efeitos de equalização das legítimas, pois a sucessão de bens localizados no exterior deve observar as leis locais.

8. Antecipação da meação. A manutenção de argumento que, por si só, sustenta o acórdão recorrido torna inviável o conhecimento do recurso especial, atraindo a aplicação do enunciado n. 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp n. 2.080.842/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/8/2024, DJe de 29/8/2024.) Grifo nosso.


Questão da FGV

Paulo José, brasileiro domiciliado em Lisboa, Portugal, veio a falecer durante a pandemia da covid-19 e deixou como herdeiros apenas três filhos, todos brasileiros, domiciliados também no Brasil. 

Considerando que ele tinha bens tanto no Brasil quanto em Lisboa, é correto afirmar que: 

(A) compete à justiça portuguesa decidir sobre a sucessão dos bens de Paulo José no Brasil e em Portugal; 

(B) a lei de Portugal terá prevalência sobre a brasileira em razão do domicílio do falecido; 

(C) a lei brasileira não tem aplicação em relação à sucessão dos bens de Paulo José em Portugal; 

(D) poderá tanto a justiça brasileira quanto a justiça portuguesa decidir sobre os bens de Paulo José, a depender da preferência dos seus três filhos; 

(E) é competente a justiça brasileira para decidir sobre os bens de Paulo José que se encontram nos dois países, já que no Brasil prevalece o princípio da universalidade sucessória e a lógica da unidade da sucessão.

Gabarito: C