A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena. A posse tradicional indígena é distinta da posse civil.

Julgado cobrado na primeira fase do concurso do TRF1 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Teses fixadas pelo STF (Tema nº 1031)

I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; 

II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; 

III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; 

IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/88; 

V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF; 

VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; 

VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); 

VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; 

IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; 

X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; 

XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; 

XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; 

XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.


Ementa do julgado paradigma

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. POSSE INDÍGENA. TERRA OCUPADA TRADICIONALMENTE POR COMUNIDADE INDÍGENA. POSSIBILIDADES HERMENÊNTICAS DO ARTIGO 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DEFINIÇÃO DO ESTATUTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS RELAÇÕES DE POSSE DAS ÁREAS DE TRADICIONAL OCUPAÇÃO INDÍGENA À LUZ DAS REGRAS DISPOSTAS NO ARTIGO 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APERFEIÇOAMENTO DO JULGADO NA PET 3.388. POSSIBILIDADE. DIREITOS INDÍGENAS POSITIVADOS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS. DEMARCAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA MERAMENTE DECLARATÓRIA DO DIREITO ORIGINÁRIO DOS ÍNDIOS. POSSE INDÍGENA. HABITAT. DISTINÇÃO DA POSSE CIVIL. MARCO TEMPORAL. INSUBSISTÊNCIA. LAUDO ANTROPOLÓGICO. DEMONSTRAÇÃO DA TRADICIONALIDADE DA OCUPAÇÃO INDÍGENA. REDIMENSIONAMENTO DA TERRA INDÍGENA. POSSIBILIDADE SE DESCUMPRIDO O ARTIGO 231. POSSE PERMANENTE E USUFRUTO EXCLUSIVO. NULIDADE DOS TÍTULOS PARTICULARES INCIDENTES EM TERRA INDÍGENA. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DA POSSE INDÍGENA E DA PROTEÇAO AMBIENTAL. AÇÕES POSSESSÓRIAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 

1. A Constituição de 1988 rompe com um paradigma assimilacionista, que pretendia a progressiva integração do indígena à sociedade nacional, a fim de que deixasse paulatinamente sua condição, para um paradigma de reconhecimento e incentivo ao pluralismo sociocultural e ao direito de existir como indígena. 

2. Os direitos dos povos indígenas referentes à posse das terras tradicionais pelas Comunidades Indígenas, mesmo com o grande avanço que a Carta Constitucional de 1988 representou, ainda se encontram pendentes de concretização, a envolver a sobrevivência de pessoas, comunidades, etnias, línguas e modos de vida que compõem, à sua maneira, a pluralidade inerente à sociedade brasileira. 

3. É possível que esta Corte promova o aperfeiçoamento do julgado na Pet 3.388, uma vez que o próprio Tribunal admitiu que as condicionantes ali fixadas não foram conformadas como representativas de precedente, a vincular de modo obrigatório as instâncias jurisdicionais inferiores, bem como espraiar seus efeitos de forma automática à Administração Pública na análise dos processos demarcatórios. 

4. Ao reconhecer aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos povos indígenas direitos fundamentais, com as consequentes garantias inerentes à sua proteção, quais sejam, consistir em cláusulas pétreas, anteparo em face de maiorias eventuais, interpretação extensiva e vedação ao retrocesso. 

5. O texto constitucional reconhece a existência dos direitos territoriais originários dos indígenas, que lhe preexistem, logo, o procedimento administrativo demarcatório não constitui a terra indígena, mas apenas declara que a área é de ocupação pelo modo de viver da comunidade. 

6. A posse indígena espelha o habitat de uma comunidade, a desaguar na própria formação da identidade, à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, distinguindo-se da posse civil, de feição marcadamente econômica e mercantil. 

7. A tradicionalidade da ocupação indígena abrange as áreas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, nos termos do §1º do artigo 231, sempre segundo os usos, costumes e tradição da comunidade. 

8. As terras de ocupação tradicional indígena foram objeto de tutela legal desde a colônia e pelas Constituições desde a Lei Magna de 1934, razão pela qual não se justifica normativamente que a Constituição de 1988 constitua termo para verificação dos direitos originários dos índios, pois ausente fratura protetiva em relação à tutela de seus direitos territoriais, a autorizar a apropriação particular dessas áreas. 

9. A proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 e da configuração do renitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição. 

10. A tradicionalidade da posse indígena refere-se ao modo de ocupação da terra, de acordo com os costumes, usos e tradições da comunidade, demonstrada por meio de trabalho técnico antropológico, a levantar as características históricas, etnográficas, sociológicas e ambientais da ocupação, para determinar se há ou não o cumprimento do disposto no artigo 231, §1º do texto constitucional. 

11. A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento. 

12. As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas destinam-se à sua posse permanente e usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos, como desdobramentos da posse qualificada exercida em área de domínio da União, afetada à manutenção do modo de vida comunitário. 

13. As terras indígenas configuram-se como res extra commercium, em respeito à natureza pública e afetada à manutenção do bem-estar indígena, razão pela qual, nos termos do §4º do artigo 231 do texto constitucional, são inalienáveis, indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. 

14. A cadeia dominial ou possessória de determinada área não impede a realização de procedimento demarcatório, diante da existência de direito originário à posse das terras tradicionalmente ocupadas, nos termos do §6º do artigo 231. 

15. Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do §6º do art. 37 da CF. 

16. Há compatibilidade constitucional da dupla afetação da área como terra indígena e como de proteção ambiental, assegurando-se às comunidades o exercício dos direitos originários de acordo com seus usos, costumes e tradições. 

17. Nas ações possessórias em que conflitem o direito à posse civil, compreendida como expressão dos poderes proprietários, e o direito constitucional indígena à posse das terras tradicionalmente ocupadas, deve-se aferir a presença dos elementos caracterizadores da posse indígena, bem como aplicar ao litígio, de caráter coletivo, o disposto no artigo 536 do Código de Processo Civil. 

18. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no §6º do art. 231 da CF/88; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do §6º do art. 37 da CF; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.”

(RE 1017365, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 27-09-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n  DIVULG 14-02-2024  PUBLIC 15-02-2024)


Questão da FGV

Ana, Maria e Joana participaram de audiência pública na qual foram debatidos os balizamentos a serem observados pela União na demarcação de uma reserva indígena. Ana sustentava o caráter constitutivo da demarcação nas hipóteses em que a terra era ocupada por particulares, com título de propriedade devidamente registrado, propriedade esta que seria transferida para a União, pois a reserva constitui bem público. Maria defendia que a existência de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas, o que direcionaria a demarcação da reserva, caracterizava uma posse idêntica à civil. Por fim, Joana observou que a tradicionalidade da ocupação indígena se estende, inclusive, às áreas utilizadas para atividades produtivas, de viés essencialmente econômico. 

Na perspectiva da conformidade constitucional das afirmações de Ana, Maria e Joana, é correto concluir que: 

(A) somente Ana está certa; 

(B) somente Maria está certa; 

(C) somente Joana está certa; 

(D) somente Ana e Maria estão certas; 

(E) somente Maria e Joana estão certas.

Gabarito: C