Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.
Tese fixada pelo STJ - Tese 09 - edição nº 160 - Jurisprudência em Teses
Em situações excepcionais, a administração pública pode ser considerada consumidora de serviços (art. 2º do CDC) por ser possível reconhecer sua vulnerabilidade, mesmo em relações contratuais regidas, preponderantemente, por normas de direito público, e por se aplicarem aos contratos administrativos, de forma supletiva, as normas de direito privado (art. 54 da Lei n. 8.666/1993).
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. EQUÍVOCO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOMENTE EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS SE EXISTENTE VULNERABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Trata-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada pelo Distrito Federal contra o Banco de Brasília S.A e particular devido a transferência bancária feita pela instituição financeira em favor de pessoa diversa da que deveria ser beneficiada, em razão de a Secretaria de Obras do Distrito Federal ter enviado dado incorreto da conta.
2. Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, mas a Apelação da instituição financeira foi provida.
3. Cinge-se a controvérsia a saber se a Administração Pública pode ser considerada consumidora de serviços por ela contratados.
4. O conceito de consumidor consta do art. 2º do CDC, verbis:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
5. Não se desconhece a existência de precedentes do Superior Tribunal de Justiça afastando a incidência do CDC em contratos em que é parte a Administração Pública (REsp 527.137/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31/5/2004, p. 191; e REsp 1.745.415/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 21/5/2019). Embora exista doutrina que defenda que o conceito de consumidor não abrange o Estado, por entender que não existe desequilíbrio entre o fornecedor e a Administração Pública, em virtude do regime jurídico administrativo, em que há supremacia do interesse público sobre o privado, e pela prestação, objeto e condições contratuais serem definidos pelo Estado, esse não é o entendimento que deve preponderar.
6. A Administração Pública pode ser considerada consumidor de serviços, porque o art. 2º do CDC não restringiu seu conceito a pessoa jurídica de direito privado, bem como por se aplicarem aos contratos administrativos, supletivamente, as normas de direito privado, conforme o art. 54 da Lei 8.666/1993, e, principalmente, porque, mesmo em relações contratuais regidas por normas de direito público preponderantemente, é possível que haja vulnerabilidade da Administração.
7. Apesar de a Administração Pública poder definir o objeto da licitação (bens, serviços e obras), o fato é que serão contratados os disponíveis no mercado, segundo as regras nele praticadas, de modo que o Estado não necessariamente estará em posição privilegiada ou diferente dos demais consumidores, podendo, eventualmente, existir vulnerabilidade técnica, científica ou econômica, por exemplo.
8. A existência das cláusulas exorbitantes que permitem a modificação das cláusulas contratuais e a revisão diante de fatos supervenientes, além das prerrogativas decorrentes do regime jurídico de direito público ? como a possibilidade de aplicar sanções, fiscalizar e rescindir unilateralmente o contrato e recusar o bem ou serviço executado em desacordo com a avença ou fora das especificações técnicas ?, conferem condição especial à Administração, dispensando-se o uso do CDC, na maior parte dos casos.
9. Contudo, a legislação especial relativa à contratação de bens, obras e serviços públicos não confere proteção direta à Administração Pública na posição de consumidora final ou usuária de serviços, sendo que a própria Lei de Licitações e Contratos prevê a aplicação supletiva das normas de direito privado.
10. Além disso, a Administração Pública celebra contratos regulados predominantemente por regras de direito privado, nos termos do art. 62, § 3º, da Lei 8.666/1993, como os de locação, seguro e mesmo os bancários, como é o caso dos autos.
11. Apesar de não ser o caso em exame, não se podem olvidar, ainda, os pactos feitos pelas pessoas jurídicas de direito privado que exploram atividade econômica: empresas públicas e as sociedades de economia mista. Nessa última situação, tais empresas não celebram contratos administrativos, não incidindo as cláusulas exorbitantes.
Por não serem contratos administrativos não se justifica afastar a aplicação do CDC.
12. Portanto, diante de determinadas circunstâncias do caso concreto, quando os instrumentos previstos na legislação própria foram insuficientes ou insatisfatórios, deve ser assegurada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à Administração Pública.
Nessa linha já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RMS 31.073/TO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 8/9/2010.
13. Na hipótese dos autos, a aferição das circunstâncias do caso concreto para apuração da existência de excepcionalidade e vulnerabilidade da Administração demanda reexame do conjunto fático-probatório dos autos, de modo que incide no caso a Súmula 7/STJ.
14. Recurso Especial não conhecido.
(REsp n. 1.772.730/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/5/2020, DJe de 16/9/2020.) Grifo nosso.
Questão da FGV
Considerando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito dos contratos administrativos, o Código de Defesa do Consumidor:
(A) nunca se aplica, diante da presença de cláusulas exorbitantes e de outros privilégios da Fazenda Pública que já garantem tutela reforçada a seus interesses;
(B) não se aplica, diante das prerrogativas já asseguradas por lei à administração, salvo hipóteses excepcionais em que evidenciada a vulnerabilidade da Fazenda Pública que adquiriu bens ou serviços como destinatária final, independentemente de se tratar de contrato celebrado por ente com personalidade de direito público ou privado;
(C) sempre se aplica em diálogo de fontes, independentemente de se tratar de contrato celebrado por ente com personalidade de direito público ou privado, quando a Fazenda Pública adquire bens e serviços como destinatária final;
(D) só se aplica aos contratos privados da Fazenda Pública ou quando ente com personalidade de direito privado adquirir produtos e serviços como destinatário final, independentemente de haver licitação precedente;
(E) só se aplica aos contratos privados da Fazenda Pública ou quando ente com personalidade de direito privado adquirir produtos e serviços como destinatário final, desde que não tenha havido licitação precedente.
Gabarito: B