Julgado cobrado na prova do TJ/RJ para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.
Tese fixada:
Não é possível aproveitar o tempo anterior de posse de terceiros para complementação do quinquênio necessário à declaração de prescrição aquisitiva no caso de usucapião especial urbana
Ementa
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA - USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA
(arts. 183 da CRFB/88, 1.240 do CC/02 e 9º da Lei nº 10.257/2001) - PRETENSÃO PETITÓRIA DEDUZIDA EM RECONVENÇÃO - TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, AO REFORMAR A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, ACOLHE O PEDIDO
DECLARATÓRIO DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA E JULGA IMPROCEDENTE AQUELE
VEICULADO EM RECONVENÇÃO (pleito reivindicatório). INSURGÊNCIA DOS RÉUS/RECONVINTES.
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA - CARÁTER PESSOAL/FAMILIAR -
INCOMPATIBILIDADE COM O INSTITUTO DA ACCESSIO POSSESSIONIS (art.
1.243 do CC) - IMPOSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO DE POSSES ANTERIORES - LAPSO QUINQUENAL NÃO ALCANÇADO.
Hipótese: ação de usucapião especial urbana ajuizada por promissários compradores de imóvel urbano, cujo pedido foi julgado procedente pela Corte estadual, ao reformar a sentença em sede de apelação, com fundamento no instituto da accessio possessionis - somatório das posses anteriores -, a teor do que dispõe o artigo 1.243 do Código Civil.
1. A usucapião especial urbana, introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição da República de 1988, consubstancia expressão da política de desenvolvimento urbano pautada pelo caráter social do direito à moradia - enquanto desdobramento da garantia à dignidade da pessoa humana.
Referido instituto destina-se, portanto, uma vez satisfeitos os requisitos previstos na Carta Magna, à concretização da justiça social e do acesso à moradia.
1.1 De acordo com o seu aparato normativo - constitucional e infraconstitucional, a referida modalidade de usucapião apresenta como pressupostos: a) área urbana (a ser usucapida) não superior a 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados); b) posse mansa e pacífica de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, com animus domini; c) imóvel utilizado como moradia do possuidor ou de sua família, e d) o possuidor não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, não lhe tendo sido deferida a usucapião especial urbana em outra ocasião.
2. A accessio possessionis, prevista no Diploma Substantivo Civil desde o Código de 1916, traduz-se na possibilidade de acrescer, para fins de implemento do prazo prescricional aquisitivo, a posse exercida anteriormente, contanto que todas sejam contínuas e pacíficas (artigo 1.243 do Código Civil vigente).
3. Distancia-se do escopo constitucional a compatibilidade entre o instituto da accessio possessionis com a usucapião especial urbana, porquanto inarredável o caráter pessoal e humanitário inerente a essa. Trata-se de modalidade de aquisição da propriedade imóvel singular, com especificidades próprias, a exemplo do prazo relativamente diminuto, comparativamente aos demais modos, bem assim a exigência da finalidade precípua de moradia e de o requerente não ser titular de nenhum outro imóvel urbano ou rural.
3.1. Nesse sentido, destaca-se o enunciado n. 317, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, qual seja: "A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente".
3.2 Na hipótese, de acordo com a moldura fática delineada pelas instâncias ordinárias, a posse dos autores, coincidente com a celebração do compromisso de compra e venda, teve início em 20/12/2002, tendo a demanda sido ajuizada apenas em maio de 2004, em lapso temporal inferior a cinco anos e, portanto, insuficiente à declaração da prescrição aquisitiva, a impor o provimento do recurso especial.
4. Recurso especial provido, a fim de reformar o acórdão impugnado, restabelecendo a sentença proferida pelo magistrado singular (improcedência da ação e procedência da reconvenção).
(REsp n. 1.799.625/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 15/6/2023.) Grifo nosso.
Questão
Caio, no mês de janeiro de 2022, mediante instrumento particular de compra e venda dos direitos possessórios de Tício, adquiriu a posse de um terreno urbano edificado, de 125 metros quadrados, localizado na Rua X, no 1, onde passou a residir. Tício possuía a área, de forma ostensiva e com animus domini, desde o mês de dezembro de 2018, quando construiu sua casa no terreno vazio localizado na Rua X, no 1. Mévio, proprietário tabular do imóvel localizado na Rua X, no 1, ajuizou, no mês de fevereiro de 2024, ação de reintegração de posse contra Caio. Este, por sua vez, alegou, na defesa da ação possessória ajuizada por Mévio, que teria adquirido a área em razão da usucapião especial urbana, pois teria, em razão da accessio possessionis, posse por prazo superior a 5 (cinco) anos, utilizava a área como moradia e não era proprietário de outro imóvel.
Acerca do caso hipotético e tendo em vista a jurisprudência atual dos Tribunais Superiores, assinale a alternativa correta.
(A) Caio não possui o tempo necessário para a aquisição da área pela usucapião especial urbana, tendo em vista que a esta não se aplica a accessio possessionis.
(B) A usucapião não pode ser utilizada como matéria de defesa, devendo Caio ajuizar ação de usucapião e requerer nesta tutela provisória para suspender a ação possessória proposta por Mévio.
(C) A ação de reintegração de posse ajuizada por Mévio deve ser julgada improcedente e declarada a aquisição da área por Caio em razão da prescrição aquisitiva.
(D) A venda dos direitos possessórios deveria ter sido feita por escritura pública, sendo, assim, nulo de pleno direito o instrumento particular celebrado entre Caio e Tício.
(E) A posse de Caio tem fundamento em justo título, razão pela qual a ação de reintegração de posse deve ser sobrestada até que seja completado o período de 5 (cinco) anos de posse.
Gabarito: A