Julgado cobrado na primeira fase do TJ/RJ para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2025.
Tese fixada pelo STJ (informativo nº 732)
A Lei n. 11.340/2006 (Maria da Penha) é aplicável às mulheres trans em situação de violência doméstica.
Ementa
RECURSO ESPECIAL. MULHER TRANS. VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APLICAÇÃO DA LEI N. 11.340/2006, LEI MARIA DA PENHA. CRITÉRIO EXCLUSIVAMENTE BIOLÓGICO. AFASTAMENTO. DISTINÇÃO ENTRE SEXO E GÊNERO. IDENTIDADE. VIOLÊNCIA NO AMBIENTE DOMÉSTICO. RELAÇÃO DE PODER E MODUS OPERANDI. ALCANCE TELEOLÓGICO DA LEI. MEDIDAS PROTETIVAS. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A aplicação da Lei Maria da Penha não reclama considerações sobre a motivação da conduta do agressor, mas tão somente que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico, familiar ou em relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.
2. É descabida a preponderância, tal qual se deu no acórdão impugnado, de um fator meramente biológico sobre o que realmente importa para a incidência da Lei Maria da Penha, cujo arcabouço protetivo se volta a julgar autores de crimes perpetrados em situação de violência doméstica, familiar ou afetiva contra mulheres. Efetivamente, conquanto o acórdão recorrido reconheça diversos direitos relativos à própria existência de pessoas trans, limita à condição de mulher biológica o direito à proteção conferida pela Lei Maria da Penha.
3. A vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos não pode ser resumida tão somente à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas e o Direito não se deve alicerçar em argumentos simplistas e reducionistas.
4. Para alicerçar a discussão referente à aplicação do art. 5º da Lei Maria da Penha à espécie, necessária é a diferenciação entre os conceitos de gênero e sexo, assim como breves noções de termos transexuais, transgêneros, cisgêneros e travestis, com a compreensão voltada para a inclusão dessas categorias no abrigo da Lei em comento, tendo em vista a relação dessas minorias com a lógica da violência doméstica contra a mulher.
5. A balizada doutrina sobre o tema leva à conclusão de que as relações de gênero podem ser estudadas com base nas identidades feminina e masculina. Gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres. Uma análise de gênero pode se limitar a descrever essas dinâmicas. O feminismo vai além, ao mostrar que essas relações são de poder e que produzem injustiça no contexto do patriarcado. Por outro lado, sexo refere-se às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, bem como ao seu funcionamento, de modo que o conceito de sexo, como visto, não define a identidade de gênero. Em uma perspectiva não meramente biológica, portanto, mulher trans mulher é.
6. Na espécie, não apenas a agressão se deu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pai e filha, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei n. 11.340/2006, inclusive no que diz respeito ao órgão jurisdicional competente - especializado - para processar e julgar a ação penal.
7. As condutas descritas nos autos são tipicamente influenciadas pela relação patriarcal e misógina que o pai estabeleceu com a filha. O modus operandi das agressões - segurar pelos pulsos, causando lesões visíveis, arremessar diversas vezes contra a parede, tentar agredir com pedaço de pau e perseguir a vítima - são elementos próprios da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino. Isso significa que o modo de agir do agressor revela o caráter especialíssimo do delito e a necessidade de imposição de medidas protetivas.
8. Recurso especial provido, a fim de reconhecer a violação do art. 5º da Lei n. 11.340/2006 e cassar o acórdão de origem para determinar a imposição das medidas protetivas requeridas pela vítima L. E. S. F. contra o ora recorrido.
(REsp n. 1.977.124/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 22/4/2022.) Grifo nosso.
Questão da Vunesp
Tendo em conta as situações hipotéticas e considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, assinale a alternativa correta.
(A) Tícia, por submeter a filha a intenso sofrimento físico como forma de castigo, incide no crime de tortura-castigo, previsto no artigo 1, do inciso II, da Lei no 9.455/97, agravado pela circunstância de ter sido praticado em detrimento de descendente.
(B) Mévia, mulher trans, vítima de violência praticada em âmbito doméstico, não está protegida pela Lei Maria da Penha, já que o critério estabelecido da definição de mulher é o biológico.
(C) Tício, por dirigir com a habilitação suspensa em decorrência de penalidade administrativa, incorre no crime de violar a suspensão para dirigir, previsto no artigo 307 do Código de Trânsito Brasileiro.
(D) Tício, pelo crime de roubo praticado em detrimento de Caio, de 61 anos, será punido sem a incidência da agravante genérica, prevista no artigo 61, II, h, do CP, se restar comprovado que a condição de idoso da vítima em nada facilitou a prática delitiva.
(E) Seprônio, tendo transportado substância considerada tóxica à saúde, em desacordo às exigências estabelecidas, sem que perícia ateste a periculosidade do produto, não incorrerá no crime previsto no artigo 56 da Lei no 9.605/98.
Gabarito: A