Julgado cobrado na primeira fase do concurso do MP/SP (Promotor de Justiça Substituto), realizada em 2025.
Tese fixada pelo STJ (Jurisprudência em teses nº 117 - tese 7).
A garantia do sigilo das comunicações entre advogado e cliente não confere imunidade para a prática de crimes no exercício da advocacia, sendo lícita a colheita de provas em interceptação telefônica devidamente autorizada e motivada pela autoridade judicial.
Ementa
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E PATROCÍNIO INFIEL NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. RÉU ADVOGADO. NÃO OCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ILICITUDE DA PROVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, inocorrentes na espécie.
2. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que se termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício de futura e eventual ação penal.
3. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, de modo que viabilize a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 4. Os fatos de que tratam o recurso em análise se inserem no contexto da operação "CARTAS MARCADAS", cujas investigações revelaram que entre os anos de 2010 e 2016, licitações promovidas pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima - ALE/RR foram fraudadas por suposta organização criminosa estruturada da qual participavam diversas construtoras, funcionários da ALE/RR e "laranjas".
5. No bojo das investigações, apurou-se que o recorrente e os demais acusados ao longo de 6 (seis) anos efetuaram diversas operações de ocultação, dissimulação da natureza e movimentação de valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública e crimes licitatórios nos certames promovidos pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, no montante aproximado de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), para efetuar o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos, bem como realizar desvios em favor do recorrente e de terceiros.
6. No caso em exame, a denúncia preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve as condutas atribuídas, com as suas circunstâncias, exibe a tipificação legal de ambos os delitos, explicitando o liame entre os fatos narrados e o seu proceder, na medida em que o recorrente defendia os interesses de terceiros em detrimento dos interesses do patrocinado (Cleber), orientando-o inclusive a assumir toda a responsabilidade criminal dos desvios de dinheiro perpetrados nos cofres da Assembleia Legislativa de Roraima.
7. O inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal assegura o sigilo das comunicações telefônicas, de modo que, para que haja o seu afastamento, imprescindível ordem judicial, devidamente fundamentada, segundo o comando constitucional estabelecido no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna.
8. O art. 5º da Lei n. 9.296/1996 determina, quanto à autorização judicial de interceptação telefônica, que "a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova".
9. O acórdão recorrido concluiu não haver "nenhuma irregularidade na captação e transcrição de tais diálogos, os quais foram realizados mediante autorização judicial, não havendo que se falar em violação ao art. 5º, XII, da CF, e nem ao art. 7.°, II, da Lei n.° 8.906/94, visto que as conversas atingiram os advogados apenas fortuitamente, não tendo sido feitas deliberadamente com o intuito de vigiar suas atividades profissionais. Ademais, as transcrições apontadas referem-se apenas aos fatos ora investigados, não revelando qualquer situação que possa expor particularidades desses outros advogados em relação a clientes ou processos diversos."
10. Hipótese em que se verifica a existência de fundamentação idônea apta a justificar a necessidade da interceptação telefônica do advogado, cujo objeto de investigação é descrito claramente, com a indicação e qualificação dos investigados, demonstrando haver indícios razoáveis de autoria e materialidade da infração penal punida com reclusão, além de não ser possível elucidar os fatos por outro meio.
11. O entendimento desta Corte consolidou-se no sentido de que "não existem direitos absolutos no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual a suspeita de que crimes estariam sendo cometidos por profissional da advocacia permite que o sigilo de suas comunicações telefônicas seja afastado, notadamente quando ausente a demonstração de que as conversas gravadas se refeririam exclusivamente ao patrocínio de determinado cliente. Há que se considerar, ainda, que o exercício da advocacia não pode ser invocado com o objetivo de legitimar a prática delituosa, ou seja, caso os ilícitos sejam cometidos valendo-se da qualidade de advogado, nada impede que os diálogos sejam gravados mediante autorização judicial e, posteriormente, utilizados como prova em ação penal, tal como sucedeu no caso dos autos. Precedentes do STJ e do STF" (RHC 51.487/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (Desembargador convocado do TJPE), QUINTA TURMA, DJe 24/09/2015).
12. Recurso desprovido.
(RHC n. 92.891/RR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25/9/2018, DJe de 3/10/2018.) Grifo nosso.
Questão do MP/SP
Gabarito: D