Na esfera de contratos coligados, o descumprimento da obrigação assumida pela beneficiária do seguro no âmbito do contrato principal constitui matéria passível de ser invocada em defesa da seguradora

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ

O seguro garantia e o contrato principal que estabelece a obrigação por aquele assegurada constituem contratos coligados. O descumprimento da obrigação assumida pela beneficiária do seguro no âmbito do contrato principal constitui matéria passível de ser invocada em defesa da seguradora na ação que objetiva o pagamento da indenização correlata. 


Ementa 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. SEGURO GARANTIA. SAFRA FUTURA. ADIANTAMENTOS. SISTEMA COOPERATIVO. AUSÊNCIA DE ENTREGA DO PRODUTO. SINISTRO. BOA-FÉ OBJETIVA. CONTRATOS COLIGADOS. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. CABIMENTO. PRECEDENTES. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. INDEFERIMENTO NA PRÓPRIA SENTENÇA. JULGAMENTO ANTECIPADO. AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECEDENTES.

1. Ação ajuizada em 11/12/2014. Recurso especial interposto em 21/8/2019. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 24/3/2020.

2. O propósito recursal consiste em definir se houve cerceamento de defesa e se estão presentes os pressupostos necessários ao pagamento da indenização securitária postulada pela recorrente.

3. O seguro garantia, na hipótese dos autos, teve como objetivo assegurar o cumprimento de obrigação assumida pelo tomador (entrega futura de produtos) em face do credor/segurado, que, por sua vez, estava obrigado a adiantar o pagamento de safra futura, na forma prevista no contrato principal.

4. O seguro garantia e o contrato principal que estabelece a obrigação por aquele assegurada constituem contratos coligados, por meio dos quais um mesmo objetivo é perseguido: a realização do objeto do negócio jurídico garantido.

5. Dada a existência de relação indissociável entre as avenças, a ocorrência de evento apto a tornar inexigível, no contrato principal, a pretensão do credor/segurado em face do devedor/tomador (como resultado do acolhimento de exceção de contrato não cumprido, p. ex.), possui evidente reflexo na obrigação da seguradora, pois, configurada tal hipótese, não se caracteriza o inadimplemento (sinistro).

6. O não cumprimento da obrigação assumida pela beneficiária do seguro no âmbito do contrato principal, portanto, constitui matéria passível de ser invocada em defesa da seguradora na ação que objetiva o pagamento da indenização correlata.

7. No particular, todavia, a par de reconhecer a legitimidade da seguradora para opor ao segurado, na ação indenizatória por este ajuizada, o inadimplemento da obrigação por ele assumida no contrato principal, o acórdão recorrido reconheceu estar ausente comprovação de tal fato.

8. Uma vez constatado pelos juízos de primeiro e segundo graus que a perícia não foi conclusiva quanto à efetivação do adiantamento de valores, e que, segundo eles, recaía sobre a recorrente/segurada o ônus probatório correlato, não lhes era dado rejeitar os pedidos de produção de novas provas e de formulação de quesitos complementares ao perito e, no mesmo ato, contraditoriamente, proferir decisão desfavorável a seus interesses.

9. Há cerceamento de defesa quando o juiz indefere a realização de provas requeridas oportuna e justificadamente pela parte, com o escopo de demonstrar suas alegações, e profere julgamento que lhe é desfavorável com fundamento na ausência de provas. Precedentes.

10. O reconhecimento do cerceamento de defesa não encontra óbice na Súmula 7/STJ quando se exige, para tal conclusão - como ocorrido na hipótese -, somente a revaloração jurídica das circunstâncias contidas nos autos. Precedentes.

11. Reconhecida a nulidade dos atos processuais praticados desde a sentença (inclusive), impõe-se o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp n. 1.874.259/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 22/10/2021.) Grifo nosso.



Questão da FGV

A Cooperativa XPTO firmou, com uma de suas cooperadas, três contratos prevendo entrega futura de produto (10.000 litros de etanol e 500.000 sacas de 50 quilos de açúcar bruto) com adiantamento de pagamento (R$ 30.000.000,00). 

Com o objetivo de garantir o cumprimento dessas obrigações, a seguradora SSS emitiu três apólices de seguro, com importâncias seguradas equivalentes aos valores totais das vendas adiantadas. 

Diante do descumprimento das obrigações de entrega de produtos assumidas pela cooperada – que ingressou com pedido de recuperação judicial –, a seguradora foi instada a pagar as indenizações previstas nos contratos de seguro garantia, mas arguiu exceção de contrato não cumprido, sob o fundamento de que os valores previstos nos contratos segurados não foram, de fato, disponibilizados pela Cooperativa XPTO. 

Nesse caso, é correto afirmar que: 

(A) considerada a relatividade contratual e presente o caráter acessório do contrato de seguro, à luz da teoria da orbitação ou gravitação jurídica, a seguradora não pode arguir exceção de contrato não cumprido, porque a entrega futura de produto é, em relação a si, res inter alios acta; 

(B) considerada a relatividade contratual e tratando-se de contratos coligados, em que se verifica a autonomia de cada negócio jurídico, a seguradora não teria legitimidade para a exceção e não poderia se exonerar de sua obrigação; 

(C) presente o caráter acessório do contrato de seguro, a seguradora poderia arguir a exceção de contrato não cumprido quanto às obrigações garantidas (contrato principal), à luz da teoria da orbitação ou gravitação jurídica, de modo a se eximir de pagar a indenização; 

(D) aplicada a teoria do terceiro cúmplice, a seguradora poderia arguir a exceção de contrato não cumprido quanto às obrigações garantidas, de modo a se eximir de pagar a indenização; 

(E) mesmo em se tratando de contratos coligados, com autonomia e densidade próprias, a exceção de contrato não cumprido constitui efeito não de um ou de outro negócio isoladamente considerado, mas da vinculação jurídica existente entre ambos, de modo que é possível a arguição feita pela seguradora e sua exoneração da garantia. 

Gabarito: E