Julgados cobrados na segunda fase do TJ/SP para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.
Teses fixadas
"Se o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes ficava disponível a usuários indefinidos e ilimitados, inclusive no estrangeiro, bastando que instalassem o aludido programa em seus dispositivos eletrônicos, para que tivessem acesso ao conteúdo pornográfico, a competência é da Justiça Federal."
A competência é da Justiça Estadual no caso em que "não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil."
Ementa
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 241-A E 241-B DA LEI N. 8.069/1990. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL, VIA PROGRAMA P2P (PEER TO PEER), COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES. CONTEÚDO ACESSÍVEL A USUÁRIOS INDEFINIDOS E ILIMITADOS, INCLUSIVE NO ESTRANGEIRO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DELITOS DO ART. 240 DO ECA E DO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. EVENTUAL PRÁTICA. CONEXÃO PROCESSUAL EVIDENCIADA. SÚMULA N. 122 DO STJ. INCIDÊNCIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE.
1. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o leading case referente ao Tema n. 393 do regime da repercussão geral, firmou a tese de que "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores".
2. De acordo com a orientação firmada pelo Pretório Excelso, "[b]asta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu".
3. No caso concreto, segundo a denúncia, para compartilhar as fotos contendo o material pedopornográfico, o Acusado se utilizava do programa P2P (Peer-to-Peer), o qual, conforme a peça acusatória, tem como uma das principais características o fato de que "todos os arquivos existentes na pasta compartilhada do computador membro estarão 'visíveis' para os demais componentes da rede".
4. Se os arquivos ficavam disponíveis a usuários indefinidos e ilimitados, inclusive no estrangeiro, bastando que instalassem o aludido programa em seus dispositivos eletrônicos, para que tivessem acesso ao conteúdo pornográfico, a competência é da Justiça Federal.
5. No caso concreto, não obstante inexista formalmente a imputação dos crimes do art. 240 da mesma Lei e também do art. 217-A do Código Penal, o afastamento da competência da Justiça Federal não se mostra possível. Os elementos probatórios que podem eventualmente surgir, ou a melhor análise, durante a instrução, daqueles que já foram produzidos, assinalam a configuração, no caso, da conexão processual com os crimes praticados por R. A. V., em relação aos quais o Juízo Federal reconheceu a sua competência (arts. 241-A e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente). Aplicação da Súmula n. 122 do Superior Tribunal de Justiça.
6. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DA 3.ª VARA FEDERAL DE CAMPO GRANDE - SJ/MS, o Suscitante.
(CC n. 173.960/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14/10/2020, DJe de 21/10/2020.) Grifo nosso.
Tema de repercussão geral nº 393 do STF
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). COMPETÊNCIA. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE IMAGENS COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. DELITO COMETIDO POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). INTERNACIONALIDADE. ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente. 2. O Brasil pune a prática de divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico, conforme art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Além de signatário da Convenção sobre Direitos da Criança, o Estado Brasileiro ratificou o respectivo Protocolo Facultativo. Em tais acordos internacionais se assentou a proteção à infância e se estabeleceu o compromisso de tipificação penal das condutas relacionadas à pornografia infantil. 4. Para fins de preenchimento do terceiro requisito, é necessário que, do exame entre a conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido, se extraia o atributo de internacionalidade dessa relação. 5. Quando a publicação de material contendo pornografia infanto-juvenil ocorre na ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet, a constatação da internacionalidade se infere não apenas do fato de que a postagem se opera em cenário propício ao livre acesso, como também que, ao fazê-lo, o agente comete o delito justamente com o objetivo de atingir o maior número possível de pessoas, inclusive assumindo o risco de que indivíduos localizados no estrangeiro sejam, igualmente, destinatários do material. A potencialidade do dano não se extrai somente do resultado efetivamente produzido, mas também daquele que poderia ocorrer, conforme própria previsão constitucional. 6. Basta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu. 7. A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil. 8. Não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil. Evidenciado que o conteúdo permaneceu enclausurado entre os participantes da conversa virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado. 9. Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores”. 10. Recurso extraordinário desprovido.
(RE 628624, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29-10-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-062 DIVULG 05-04-2016 PUBLIC 06-04-2016) Grifo nosso.
Questão
A Lei no 11.829/08 alterou Estatuto da Criança e do Adolescente, para incluir, entre outros, os crimes do artigo 241-A e do artigo 241-B. Diante disso, analise os dois dispositivos com base nas questões abaixo colocadas, justificando suas conclusões.
a) Objeto jurídico. Diferenças e semelhanças entre os tipos penais. Consumação. Exclusão da ilicitude;
b) Transnacionalidade e suas consequências;
c) Concurso de crimes;
d) Conceito de cenas de sexo explícito ou pornográfico e seu alcance;
e) Benefícios legais cabíveis.
Espelho de resposta da banca
"2 – Transnacionalidade é a capacidade das condutas gerarem efeitos além das fronteiras do Brasil. Vale dizer, na medida em que os crimes acontecem pela rede mundial de computadores, ainda que praticados em território nacional, é possível que alguém e um número indeterminado de pessoas, tenham acesso às imagens pornográficas no exterior. Isso traz como consequência, a mudança da competência para o processamento e julgamento da ação penal que envolve a apuração de ambos os tipos penais. Segundo cristalizado na jurisprudência dos Tribunais superiores, a competência será fixada de acordo com a forma em que inseridas e divulgadas as imagens. Portanto, será da justiça federal a competência, quando as condutas de qualquer dos dois crimes forem feitas a partir da rede mundial de computadores, justamente porque acessível a qualquer pessoa, mesmo fora o território nacional. É irrelevante que esse acesso tenha sido comprovado. Por outro lado, se não for possível esse acesso por pessoas indeterminadas, a competência será da Justiça Estadual (STF, REsp nº 628624, Tribunal Pleno, relator para o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2015, REsp 612030 Ag-R-ED, 2ª Turma, relator Min. Dias Toffoli; STJ, CC 173.960-MS, 3ª Seção, rel. Min. Laurita Vaz. (valor 0,4)"