Julgado cobrado na segunda fase do TJ/SC para o cargo de Juiz Substituto, realizada em 2024.
Tese fixada
"É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens."
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. NULIDADE. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. FASE POLICIAL. NÃO JUDICIALIZADO. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS SUBSEQUENTES. PROVAS INSUFICIENTES, AINDA QUE RECONHECIDAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Na presente hipótese, a justiça castrense condenou 4 policiais militares a penas entre 48 e 80 anos de reclusão pela prática de corrupção passiva, por diversas vezes, com o fundamento de que recebiam valores de traficantes do Comando Vermelho para que não obstassem suas atividades. O ora agravado foi absolvido por maioria de votos pela Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro.
2. Em recurso de apelação, o TJRJ condenou o agravado a 29 anos de reclusão, no regime inicial fechado, por entender ter ele participado de ao menos 6 arrecadações dos valores.
3. O agravado foi denunciado como participante do esquema criminoso Comando Vermelho. Um dos acusados, após descrever as características físicas, reconheceu o agravado por meio de fotografia enviada por aplicativo de mensagens. Como consequência, foi realizada busca e apreensão na residência do agravado, onde encontraram R$ 66.000,00 (sessenta e seis mil reais) em espécie, bem como realizada quebra de sigilo telefônico, ocasião em que se constatou que ele entrou em contato com outros corréus.
4. Ora, claramente irregular o reconhecimento fotográfico realizado em aparelho celular por meio de aplicativo de mensagens, mormente considerado não ter sido repetido o reconhecimento em juízo, nulidade que contaminaria as provas subsequentes obtidas.
Precedentes.
5. Ainda que se entenda que a mera irregularidade não contaminaria as demais provas, é de se consignar que a condenação em segundo grau foi lastreada nesse reconhecimento fotográfico - expressamente citado no voto condutor do acórdão por 3 vezes -, no encontro de numerários na residência do ora agravado e em 3 contatos telefônicos entre ele e outros agentes policiais, os quais, lembre-se, eram colegas de farda, sendo 4 deles lotados no BOPE, o que torna o conjunto probatório deveras frágil.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no HC n. 817.270/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/8/2024, DJe de 14/8/2024.) Grifo nosso.
Informações do inteiro teor
"Como consabido, a apresentação de fotografia pelo método show up é ensejadora de erros de reconhecimento e até de contaminação da memória do depoente. A situação é agravada quando o mesmo acusado que realizou o reconhecimento informal o negou em juízo.
Sobre o tema, a Sexta Turma do STJ firmou recentemente novo
entendimento de que o regramento previsto no art. 226 do Código de Processo
Penal é de observância obrigatória, e ainda assim não prescinde de corroboração
por outros elementos indiciários submetidos ao crivo do contraditório na fase
judicial.
Com tal entendimento, objetiva-se a mitigação de erros
judiciários gravíssimos que, provavelmente, resultaram em diversas condenações
lastreadas em acervo probatório frágil, como o mero reconhecimento fotográfico
de pessoas em procedimentos crivados de vícios legais e até psicológicos - dado
o enviesamento cognitivo causado pela apresentação irregular de fotografias
escolhidas pelas forças policiais -, que acabam por contaminar a memória das
vítimas, circunstância que reverbera até a fase judicial e torna inviável
posterior convalidação em razão do viés de confirmação.
Nessa linha, a Sexta Turma desta Corte chegou ao consenso de
que o prévio reconhecimento do réu por fotografia acaba por contaminar a
memória da vítima, inviabilizando sua convalidação pelo posterior
reconhecimento pessoal em juízo.
No caso, o reconhecimento foi realizado de forma
absolutamente irregular, qual seja, apresentação informal de foto via
aplicativo de mensagens a um dos acusados que, posteriormente, em juízo, negou
as afirmações e foi absolvido das imputações de tráfico de drogas que lhe
recaíam. Logo, tal prova é imprestável para utilização no feito, bem como as
dela decorrentes, por aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados.
Por fim, a acusação não logrou êxito em demonstrar que os
valores recolhidos na residência do réu seriam oriundos da atividade ilícita,
ao contrário, inverteram o ônus da prova ao acusado para que comprovasse a
origem lícita dos recursos, em afronta ao princípio acusatório no sistema
processual penal brasileiro, que é mitigado tão somente em casos excepcionais,
quando da apreensão com o réu de bens comprovadamente ilícitos, como no caso da
receptação."
Questão da FGV
Em uma sexta-feira à noite, os amigos PEDRO, HENRIQUE e THOMAS, desprovidos de fundos para o ingresso em uma badalada casa noturna da capital, articulam um plano para conseguir dinheiro rapidamente. PEDRO menciona que ouviu seu cunhado, ALFREDO, reclamar há poucos dias que o sistema das câmeras de segurança da farmácia 24 horas na qual cumpria expediente noturno tinha estragado há tempos e o dono nada fazia. Disse, ainda, que, naquela noite, ALFREDO não estaria trabalhando, pois ele e sua irmã tinham planejado ir à mesma casa noturna. O trio então deu início à empreitada, PEDRO e HENRIQUE pilotando suas motos e THOMAS na garupa. Apenas tomando a precaução de vestir os capuzes de suas blusas de moletom, entraram no estabelecimento: THOMAS e HENRIQUE na frente, cada qual empunhando uma arma de fogo e dando voz de assalto, e PEDRO ficando junto à porta. Surpreendentemente, ALFREDO estava trabalhando, reconheceu prontamente o cunhado e inclusive vocalizou isso, gritando seu nome, o que levou os três a fugir em disparada levando umas poucas notas de real. ALFREDO acionou a Polícia Militar para reportar o roubo, atribuindo a autoria ao cunhado PEDRO, acompanhado de dois indivíduos que não conhecia, e dando informações de onde o primeiro poderia ser localizado. PEDRO foi preso em flagrante, sendo-lhe concedida liberdade provisória mediante medidas cautelares diversas da prisão em audiência de custódia. No depoimento prestado ainda na lavratura do auto de prisão em flagrante, ALFREDO, instado pelo Delegado, deu todas as características dos outros dois autores que conseguiu se recordar, além de descrever com minúcia toda a dinâmica dos fatos. Após a soltura e a pedido do Ministério Público, baixaram os autos do procedimento à Delegacia de Polícia para a continuidade das investigações. Analisando as redes sociais de PEDRO, que não tinha nenhum antecedente criminal, os agentes notaram, entre os muitos amigos que apareciam nas fotos, dois em particular, já conhecidos da força pública: HENRIQUE e AUGUSTO. Chamaram então ALFREDO ao distrito policial e a ele mostraram fotografia, extraída da rede social de PEDRO, em que ele aparecia com HENRIQUE e AUGUSTO, sendo que ALFREDO prontamente e sem qualquer dúvida reconheceu HENRIQUE. Passadas algumas semanas, THOMAS foi preso em flagrante praticando um roubo com modus operandi muito semelhante ao aqui narrado na mesma vizinhança, pelo que o Delegado convocou ALFREDO mais uma vez para o reconhecimento. Desta vez, THOMAS foi alinhado em sala própria com mais 4 pessoas parecidas e, após receber todas as instruções da autoridade policial, reconheceu THOMAS com 85% de certeza. O procedimento foi registrado em audiovisual. Concluídas as investigações, foram PEDRO, HENRIQUE e THOMAS indiciados e denunciados. Na ação penal, os três arguiram a nulidade dos reconhecimentos: a defesa de PEDRO argumentou não ter passado ele por nenhum procedimento nesse sentido; a defesa de HENRIQUE argumentou que o reconhecimento por fotografia carece de amparo legal e a defesa de THOMAS argumentou que não foi cumprido o procedimento corretamente, pois a vítima não descreveu a pessoa a ser reconhecida antes do alinhamento.
Com base no texto acima, discorra acerca da melhor solução jurídica no enfrentamento dessas teses defensivas pelo magistrado.
Tenha em mente que se espera do candidato a demonstração de domínio dos fundamentos constitucionais, normativos e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema e não a mera reprodução em si de texto de lei e de norma.