O crime de evasão de divisas pressupõe a remessa de disponibilidades cambiais para o exterior

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ

O crime de evasão de divisas pressupõe a remessa de disponibilidades cambiais para o exterior.


Ementa 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS E RECEPTAÇÃO. INVESTIGAÇÃO NA QUAL, AO MENOS ATÉ O PRESENTE MOMENTO, NÃO SE DESCREVEU O CRIME TIPIFICADO NO ART. 22, DA LEI N. 7.492/86. AUSÊNCIA DE CONDUTA PRATICADA CONTRA BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

1. O crime de evasão de divisas, previsto no art. 22 da Lei n. 7.492/86, pressupõe a remessa de disponibilidades cambiais para o exterior. Em outras palavras, a norma penal prevê como criminosa a conduta de evadir moedas ou divisas.

2. Na hipótese, não foi ressaltada a saída de moedas ou divisas, mas a compra, no Paraguai, de veículo produto de furto/roubo praticado no Brasil. Portanto, a conduta investigada não se enquadra no fato típico supramencionado.

3. Ainda que a Justiça Comum Estadual tenha concluído que no caso não houve o ingresso de divisas devidas à União, para a caracterização do crime é necessária a prática de conduta comissiva.

O tipo penal não prevê a forma omissiva.

4. Por outro lado, nada impede a modificação superveniente da competência na hipótese de o aprofundamento das investigações revelar elementos de autoria e materialidade de crime praticado contra bens, serviços ou interesses da União.

5. Remanesce, assim, por ora, somente a apuração quanto ao crime de receptação, de competência da Justiça comum Estadual.

6. Parecer da Procuradoria-Geral da República acolhido. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Suscitado.

(CC n. 178.639/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 1/7/2021.) Grifo nosso.


Questão da FGV

A respeito do crime de evasão de divisas previsto no Art. 22 e parágrafo único da Lei nº 7.492/1986, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que: 

(A) a entrega de moeda estrangeira no exterior em contrapartida a prévio pagamento de reais no Brasil não tipifica o crime de evasão de divisas, diante da ausência de saída física da moeda do território nacional; 

(B) a manutenção no exterior de imóveis e veículos não declarados à Receita Federal e ao Banco Central não tipifica o crime de evasão de divisas; 

(C) as três modalidades do crime exigem o elemento subjetivo próprio “com o fim de promover evasão de divisas do País”; 

(D) o ingresso irregular de divisas no território nacional, se resultante de operação de câmbio não autorizada, tipifica o crime de evasão de divisas; 

(E) a exportação de mercadorias sem a respectiva liquidação do contrato de câmbio é suficiente para tipificar o crime de evasão de divisas.

Gabarito: B


É inconstitucional o art. 25 da Lei 12.485/2011 que proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STF

O art. 25 da Lei 12.485/2011 proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras e não apenas preferência percentual, sem prazo para ter fim e despida de qualquer justificação que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade, sendo, portanto, inconstitucional.


Ementa

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOVO MARCO REGULATÓRIO DA TELEVISÃO POR ASSINATURA (LEI N. 12.485/2011). SERVIÇO DE ACESSO CONDICIONADO (SeAC). INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL PARA PROPOR ATOS NORMATIVOS DISPONDO SOBRE TELECOMUNICAÇÕES (CRFB, ART. 22, IV) RÁDIO E TELEVISÃO, INDEPENDENTEMENTE DA TECNOLOGIA UTILIZADA (CRFB, ART. 221 E ART. 222, §5º). LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DE RESTRIÇÕES À PROPRIEDADE CRUZADA (ART. 5º, CAPUT E §1º) E À VERTICALIZAÇÃO DA CADEIA DE VALOR DO AUDIOVISUAL (ART. 6º, I E II). VEDAÇÃO DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO E DA CONCENTRAÇÃO EXCESSIVA DO MERCADO (CRFB, ART. 173, §4º E ART. 220, §5º). HIGIDEZ CONSTITUCIONAL DOS PODERES NORMATIVOS CONFERIDOS À ANCINE (ART. 9º, PARÁGRAFO ÚNICO; ART. 21 E ART. 22). NOVA FEIÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (CRFB, ART. 37, CAPUT). ACEPÇÃO PRINCIPIOLÓGICA OU FORMAL AXIOLÓGICA. EXISTÊNCIA DE PRINCÍPIOS INTELIGÍVEIS (ART. 3º) APTOS A LIMITAR A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO À PARTICIPAÇÃO DE ESTRANGEIROS NAS ATIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO E EMPACOTAMENTO DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL DE ACESSO CONDICIONADO (ART. 10, CAPUT E §1º). INEXISTÊNCIA DE RESERVA CONSTITUCIONAL PARA A IMPOSIÇÃO DE TRATAMENTO DIFERENCIADO AO ESTRANGEIRO. VIABILIDADE DE DISTINÇÃO PREVISTA EM LEI FORMAL E PERTINENTE À CAUSA JURÍDICA DISCRIMINADORA. VALIDADE DA EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CREDENCIAMENTO JUNTO À ANCINE PARA EXPLORAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO E EMPACOTAMENTO (ART. 12), BEM COMO DA PROIBIÇÃO À DISTRIBUIÇÃO DE CONTEÚDO EMPACOTADO POR EMPRESA NÃO CREDENCIADA PELA AGÊNCIA (ART. 31, CAPUT, §§ 1º E 2º). REGULARIDADE JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOLICITADAS PELA ANCINE PARA FINS DE FISCALIZAÇÃO QUANTO AO CUMPRIMENTO DAS REGRAS LEGAIS (ART. 13). TÍPICOS DEVERES INSTRUMENTAIS INDISPENSÁVEIS AO EXERCÍCIO DA ORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROPORCIONALIDADE DA POLÍTICA DE COTAS DE CONTEÚDO NACIONAL (ARTS. 16, 17, 18, 19, 20, 23). EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTOS JURÍDICO-POSITIVOS (CRFB, ARTS. 221 E 222, §3º) E OBJETIVOS MATERIAIS CONSISTENTES. MEDIDA ADEQUADA, NECESSÁRIA E PROPORCIONAL EM SENTIDO ESTRITO. CONSTITUCIONALIDADE DA FIXAÇÃO DE TEMPO MÁXIMO DE PUBLICIDADE COMERCIAL (ART. 24). DEVER DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR (CRFB, ART. 170, V). INCONSTITUCIONALIDADE DA PROIBIÇÃO DA OFERTA DE CANAIS QUE VEICULEM PUBLICIDADE COMERCIAL DIRECIONADA O PÚBLICO BRASILEIRO CONTRATADA NO EXTERIOR POR AGÊNCIA DE PUBLICIDADE ESTRANGEIRA (ART. 25). AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO MÍNIMA PARA A CRIAÇÃO DO REGIME DIFERENCIADO. ULTRAJE AO PRINCÍPIO GERAL DA ISONOMIA (CRFB, ART. 5º, CAPUT) ENQUANTO REGRA DE ÔNUS ARGUMENTATIVO. CONSTITUCIONALIDADE DA OUTORGA DO SeAC POR AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA SEM NECESSIDADE DE PRÉVIA LICITAÇÃO (ART. 29) NA FORMA DO ART. 21, XI, DA LEI MAIOR. OPÇÃO REGULATÓRIA SITUADA NOS LIMITES DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA. VALIDADE DA IMPOSIÇÃO ÀS CONCESSIONÁRIAS DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS DO DEVER DE DISPONIBILIZAÇÃO GRATUITA DOS CANAIS DE SINAL ABERTO ÀS DISTRIBUIDORAS DO SeAC (ART. 32). COMPATIBILIDADE COM A SISTEMÁTICA CONSTITUCIONAL DO ICMS (CRFB, ART. 155, §2º, X, “d”). HIGIDEZ DO CANCELAMENTO DO REGISTRO DE AGENTE ECONÔMICO PERANTE A ANCINE EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES CRIADAS PELA LEI (ART. 36). GARANTIA DE EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS. CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE TRANSIÇÃO (ART. 37, §§ 1º, 5º, 6º, 7º e 11). INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. ACOMODAÇÃO OTIMIZADA ENTRE SEGURANÇA E MODERNIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DA GARANTIA DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. SETOR ECONÔMICO DOTADO DE LIBERDADE DE PREÇOS. 1. A revisão judicial de marcos regulatórios editados pelo legislador requer uma postura de autocontenção em respeito tanto à investidura popular que caracteriza o Poder Legislativo quanto à complexidade técnica inerente aos temas a que o Poder Judiciário é chamado a analisar pela ótica estrita da validade jurídica. 2. A competência legislativa do Congresso Nacional para dispor sobre telecomunicações (CRFB, art. 22, IV) e para disciplinar os princípios constitucionais incidentes sobre a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão (CRFB, art. 221 e art. 222, §5º) confere autoridade ao Poder Legislativo para, sponte propria, criar ou modificar marcos regulatórios setoriais, no que estão abarcados poderes para adaptar as instituições vigentes de modo a garantir a efetividade das novas regras jurídicas. 3. In casu, os artigos 10, 12, 13, 19, § 3°, 21, 22, 25, §1°, 31, caput, 36 e 42 da Lei nº 12.485/11 se limitaram a indicar a autoridade do Estado encarregada de zelar pelo cumprimento da novel disciplina normativa aplicável ao serviço de acesso condicionado, em tudo harmônica com as regras de competência definidas na legislação até então vigente (MP nº 2.228-1/01), emanada do próprio Poder Executivo. Inexistência de vício formal de constitucionalidade a ponto de justificar a glosa judicial da Lei nº 12.485/11 com fulcro no art. 61, §1º, “e”, da CRFB. 4. As diretrizes constitucionais antitruste (CRFB, arts. 173, §4º e 220, §5º), voltadas a coibir o abuso do poder econômico e a evitar a concentração excessiva dos mercados, permitem combater a ineficiência econômica e a injustiça comutativa que tendem a florescer em regimes de monopólio e oligopólio. No setor audiovisual, prestam-se também a promover a diversificação do conteúdo produzido, impedindo que o mercado se feche e asfixie a manifestação de novos entrantes. 5. In casu, as restrições à propriedade cruzada (art. 5º, caput e §1º), bem como a vedação à verticalização da cadeia de valor do audiovisual (art. 6º, I e II), todas introduzidas pela Lei nº 12.485/11, pretendem, de forma imediata, concretizar os comandos constitucionais inscritos no art. 170, §4º e 220, §5º, da Lei Maior; bem como realizam, de forma mediata, a dimensão objetiva do direito fundamental à liberdade de expressão e de informação, no que tem destaque o papel promocional do Estado no combate à concentração do poder comunicativo. Inexistência de ofensa material à Carta da República. 6. A moderna concepção do princípio da legalidade, em sua acepção principiológica ou formal axiológica, chancela a atribuição de poderes normativos ao Poder Executivo, desde que pautada por princípios inteligíveis (intelligible principles) capazes de permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos da Administração. 7. In casu, os arts. 9º, parágrafo único, 21 e 22 da Lei nº 12.485/11, apesar de conferirem autoridade normativa à Agência Nacional do Cinema (ANCINE), estão acompanhados por parâmetros aptos a conformar a conduta de todas as autoridades do Estado envolvidas na disciplina do setor audiovisual brasileiro (ex vi do art. 3º da Lei do SeAC), impedindo que qualquer delas se transforme em órgão titular de um pretenso poder regulatório absoluto. Não ocorrência de violação material à Carta da República. 8. A Constituição de 1988 não estabeleceu qualquer regra jurídica que interdite a distinção entre brasileiro e estrangeiro, ao contrário do que acontece com a situação do brasileiro nato e do naturalizado, para a qual há explícita reserva constitucional acerca das hipóteses de tratamento diferenciado (CRFB, art. 12, §2º). Destarte, é juridicamente possível ao legislador ordinário fixar regimes distintos, desde que, em respeito ao princípio geral da igualdade (CRFB, art. 5º, caput), revele fundamento constitucional suficiente para a discriminação, bem como demonstre a pertinência entre o tratamento diferenciado e a causa jurídica distintiva. 9. In casu, o art. 10, caput e §1º, da Lei nº 12.485/11, ao restringir a gestão, a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção inerentes à programação e ao empacotamento a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, representou típica interpretação legislativa evolutiva do comando constitucional encartado no art. 222, §2º, da Lei Maior, de todo condizente com os vetores axiológicos que informam, no plano constitucional, a atividade de comunicação de massa, dentre os quais a preservação da soberania e identidade nacionais, o pluralismo informativo e a igualdade entre os prestadores de serviço a despeito da tecnologia utilizada na atividade. 10. O poder de polícia administrativa manifesta-se tanto preventiva quanto repressivamente, traduzindo-se ora no consentimento prévio pela Administração Pública para o exercício regular de certas liberdades, ora no sancionamento do particular em razão do descumprimento de regras materiais aplicáveis à atividade regulada. Em qualquer caso, a ingerência estatal (fiscalizatória e punitiva) exsurge como garantia da efetividade da disciplina jurídica aplicável. 11. In casu, os arts. 12 e 13 da Lei nº 12.485/11 simplesmente fixam deveres instrumentais de colaboração das empresas para fins de permitir a atividade fiscalizatória da ANCINE quanto ao cumprimento das novas obrigações materiais a que estão sujeitos todos os agentes do mercado audiovisual. Já o art. 31, caput, §§1º e 2º, da Lei nº 12.485/11 consubstancia engenhosa estratégia do legislador para conduzir as empacotadoras ao credenciamento exigido pela nova disciplina normativa, bem como induzir o cumprimento das respectivas cotas de conteúdo nacional. Ausência de quaisquer vícios que justifiquem declaração de inconstitucionalidade do modelo regulatório. 12. A legitimidade constitucional de toda intervenção do Estado sobre a esfera jurídica do particular está condicionada à existência de uma finalidade lícita que a motive, bem como ao respeito ao postulado da proporcionalidade, cujo fundamento deita raízes na própria noção de princípios jurídicos como mandamentos de otimização (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 116). 13. In casu, os arts. 16, 17, 18, 19, 20, 23 da Lei nº 12.485/11, ao fixarem “cotas de conteúdo nacional” para canais e pacotes de TV por assinatura, promovem a cultura brasileira e estimulam a produção independente, dando concretude ao art. 221 da Constituição e ao art. 6º da Convenção Internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto nº 6.177/2007). A intervenção estatal revela-se, ademais, (i) adequada, quando relacionada ao fim a que se destina, (ii) necessária, quando cotejada com possíveis meios alternativos e (iii) proporcional em sentido estrito, quando sopesados os ônus e bônus inerentes à medida restritiva. 14. O art. 24 da Lei nº 12.485/11, que fixou limites máximos para a publicidade comercial na TV por assinatura, encontra-se em harmonia com o dever constitucional de proteção do consumidor (CRFB, art. 170, V), máxime diante do histórico quadro registrado pela ANATEL de reclamações de assinantes quanto ao volume de publicidade na grade de programação dos canais pagos. 15. O princípio constitucional da igualdade (CRFB, art. 5º, caput), enquanto regra de ônus argumentativo, exige que o tratamento diferenciado entre indivíduos seja acompanhado de causa jurídica suficiente para amparar a discriminação, cujo exame de consistência, embora preserve um espaço de discricionariedade legislativa, é sempre passível de aferição judicial (CRFB, art. 5º , XXXV). 16. In casu, o art. 25 da Lei nº 12.485/11 proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo (i) uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras (e não apenas preferência percentual), (ii) sem prazo para ter fim (ex vi do art. 41 da Lei do SeAC) e (iii) despida de qualquer justificação que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade. Inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 12.485/11 por violação ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput). 17. O dever constitucional de licitar (CRFB, art. 37, XXI) somente incide nas hipóteses em que o acesso de particulares a alguma situação jurídica de vantagem relacionada ao Poder Público não possa ser universalizada. Destarte, descabe cogitar de certame licitatório quando a contratação pública não caracterizar escolha da Administração e todo cidadão possa ter acesso ao bem pretendido. Ademais, no campo das telecomunicações, é certo que a Constituição admite a outorga do serviço mediante simples autorização (CRFB, art. 21, XI). 18. In casu, o art. 29 da Lei nº 12.485/11 viabiliza que a atividade de distribuição do serviço de acesso condicionado seja outorgada mediante autorização administrativa, sem necessidade de prévio procedimento licitatório, o que se justifica diante da nova e abrangente definição do SeAC (art. 2º, XXIII, da Lei nº 12.485/11), apta a abarcar todas as possíveis plataformas tecnológicas existentes (e não apenas cabos físicos e ondas de radiofrequência), bem como diante da qualificação privada recebida pela atividade no novo marco regulatório da comunicação audiovisual. Inexistência de ofensa material à Constituição de 1988. 19. O art. 32, §§ 2º, 13 e 14, da Lei nº 12.485/11, ao impor a disponibilidade gratuita dos canais de TV aberta às distribuidoras e às geradoras de programação da TV por assinatura, não ofende a liberdade de iniciativa nem os direitos de propriedade intelectual, porquanto o serviço de radiodifusão é hoje inteiramente disponibilizado aos usuários de forma gratuita. A Lei do SeAC apenas replicou, no âmbito do serviço de acesso condicionado, a lógica vigente na televisão aberta. 20. O art. 36 da Lei nº 12.485/11, ao permitir o cancelamento do registro de agente econômico perante a ANCINE por descumprimento de obrigações legais, representa garantia de eficácia das normas jurídicas aplicáveis ao setor, sendo certo que haveria evidente contradição ao se impedir o início da atividade sem o registro (por não preenchimento originário das exigências legais) e, ao mesmo tempo, permitir a continuidade de sua exploração quando configurada a perda superveniente da regularidade. Destarte, a possibilidade de cancelamento do registro é análoga à do seu indeferimento inicial, já chancelada nos itens 10 e 11 supra. 21. A existência de um regime jurídico de transição justo, ainda que que consubstancie garantia individual diretamente emanada do princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima (CRFB, art. 5º, XXXVI), não impede a redefinição e a atualização dos marcos regulatórios setoriais, tão caras à boa ordenação da vida em sociedade. 22. In casu, o art. 37, §§ 6º, 7º e 11, da Lei nº 12.485/11, ao fixar regras sobre a renovação das outorgas após o fim do respectivo prazo original de vigência e regras pertinentes às alterações subjetivas sobre a figura do prestador do serviço, é constitucionalmente válido ante a inexistência, ab initio, de direito definitivo à renovação automática da outorga, bem como da existência de margem de conformação do legislador para induzir os antigos prestadores a migrem para o novo regime. 23. O art. 37, §§ 1º e 5º, da Lei nº 12.485/11, ao vedar o pagamento de indenização aos antigos prestadores do serviço em virtude das novas obrigações não previstas no ato de outorga original, não viola qualquer previsão constitucional, porquanto, em um cenário contratual e regulatório marcado pela liberdade de preços, descabe cogitar de qualquer indenização pela criação de novas obrigações legais (desde que constitucionalmente válidas). Eventuais aumentos de custos que possam surgir deverão ser administrados exclusivamente pelas próprias empresas, que tanto podem repassá-los aos consumidores quanto retê-los em definitivo. Impertinência da invocação do equilíbrio econômico e financeiro dos contratos administrativos (CRFB, art. 37, XXI). 24. Conclusão. Relativamente à ADI 4679, julgo o pedido procedente em parte, apenas para declarar a inconstitucionalidade material do art. 25 da Lei nº 12.485/2011; relativamente às ADI 4747, 4756 e 4923, julgo os pedidos improcedentes.

(ADI 4923, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 08-11-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-064  DIVULG 04-04-2018  PUBLIC 05-04-2018) Grifo nosso.


Questão da FGV

A sociedade empresária Delta, com sede e capital nacional, que se dedica às atividades de produção, programação e empacotamento de conteúdo utilizado em comunicação audiovisual de acesso condicionado, sugeriu que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) editasse regulamentação sobre certa temática. De acordo com a proposta, seria vedada a oferta de canais, pelos programadores, que contivessem publicidade de serviços e produtos direcionados ao público brasileiro, com veiculação contratada no exterior, salvo se elaborada por meio de agência de publicidade nacional. 

Ao analisar a proposta de regulamentação, a Ancine concluiu corretamente que: 

(A) a matéria, com os contornos almejados, já está disciplinada em lei, não precisando ser reproduzida em regulamento; 

(B) a regulação das atividades de programação e empacotamento de conteúdo não é de competência da Ancine; 

(C) a proposta afronta a isonomia, além de não estar lastreada em justificativa que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade; 

(D) a proposta é mero desdobramento da exigência de que as atividades de seleção e distribuição da programação sejam privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos; 

(E) a atuação de operadores estrangeiros na produção, programação e empacotamento de conteúdo direcionado ao público brasileiro pressupõe autorização específica, que deve prever, a contrario sensu, a restrição proposta por Delta. 

Gabarito: C

A impetração de habeas corpus em nome de terceiro, que já tem advogado constituído, exige autorização expressa do paciente

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STF

A impetração de habeas corpus em nome de terceiros, que já têm advogados constituídos em distintos inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal, exige autorização expressa dos pacientes.


Ementa

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA RELATOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DOS PACIENTES, QUE TÊM ADVOGADOS CONSTITUÍDOS EM PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS NO STF. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 606 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Caso em exame 1. Pacientes alvos de prisão preventiva e de outras medidas cautelares decretadas em procedimento investigatório em trâmite no Supremo Tribunal Federal pela suposta prática dos crimes de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito (art. 359-L do Código Penal — CP), de tentativa de golpe de Estado (art. 359-M do CP) e de associação criminosa (art. 288 do CP), todos em concurso material (art. 69 do CP). II. Questão em discussão 2. Saber se é viável a impetração de habeas corpus contra decisão de Ministro ou de órgão colegiado do Supremo Tribunal Federal, em situações como a narrada nestes autos. III. Razões de decidir 3. A impetração de habeas corpus em nome de terceiros, que já têm advogados constituídos em distintos inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal, exige autorização expressa dos pacientes, a qual não foi juntada aos autos. 4. A jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal estabelece que “não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso” (Súmula 606). 5. O Plenário do STF reafirmou esse entendimento pela impossibilidade de impetração de habeas corpus contra ato jurisdicional de órgão colegiado do Supremo Tribunal Federal ou de quaisquer de seus membros, a incidir a referida Súmula 606. IV. Dispositivo 6. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(HC 249064 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Tribunal Pleno, julgado em 16-12-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 14-01-2025  PUBLIC 15-01-2025) Grifo nosso.


Questão da FGV

Heitor, valendo-se da regra que dispõe que o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, ajuizou a referida ação em favor de seu inimigo declarado Aquiles, que sofria coação em sua liberdade de locomoção por força de ato de juiz federal de primeiro grau. Contudo, Heitor foi propositalmente desidioso quanto à referida ação, pois visava à improcedência do pedido por ele formulado em favor de Aquiles, que não autorizou a impetração. 

Diante desse contexto, é correto afirmar que: 

(A) o conhecimento do habeas corpus pela superior instância depende de manifestação favorável do Ministério Público; 

(B) a decisão de improcedência no habeas corpus vincula Aquiles, que foi substituído processualmente por Heitor; 

(C) o conhecimento do habeas corpus pela superior instância pressupõe o consentimento de Aquiles à impetração de Heitor; 

(D) a decisão de improcedência no habeas corpus vincula o Ministério Público, que não poderá impetrar novo habeas corpus; 

(E) o conhecimento do habeas corpus pela superior instância pressupõe impetração por advogado constituído por parte de Heitor. 

Gabarito: C

O crime de gestão temerária é próprio, porém é possível a participação de terceiros não integrantes do rol taxativo previsto em lei

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ

O crime de gestão temerária é próprio, porém é possível a participação de terceiros não integrantes do rol taxativo previsto em lei.


Ementa

RECURSO EM HABEAS CORPUS. GESTÃO TEMERÁRIA. ELABORAÇÃO DE PARECER OPINATIVO. PARTICIPAÇÃO NO CRIME. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO, NA DENÚNCIA, DO VÍNCULO SUBJETIVO. OCORRÊNCIA.

1. O crime de gestão temerária, previsto no parágrafo único do artigo 4º na Lei nº 7.492/86, é crime próprio e que exige, para sua configuração, especial condição do agente.

2. Nessa linha, para que se possa ser o sujeito ativo do crime em questão é fundamental que o agente tenha poderes de gestão na empresa, ou seja, deve possuir poderes especiais ligados à administração, controle ou direção da empresa, ex vi do art. 25 da referida lei.

3. É possível, todavia, a participação de terceiras pessoas não integrantes do rol taxativo previsto em lei na prática do delito, desde que se demonstre o nexo de causalidade entre a conduta da terceira pessoa e a realização do fato típico. Esse nexo exige a presença do elemento subjetivo, consubstanciado na consciência de que sua conduta, mediante ajuste de vontades, voltada para a ocorrência do resultado que a lei visa reprimir.

4. No caso, a exordial aponta vínculo subjetivo do recorrente que o liga ao evento delituoso, na medida em que descreve a aceitação pelo recorrente do notório risco lesivo. Destaca-se da denúncia, nesse particular, que a confecção de parecer favorável às operações de aquisição de ações se deu em contexto totalmente desfavorável a esse tipo de operação e voltado ao interesse exclusivo do banco estruturador da operação. Assim, verifica-se que houve a descrição do necessário e indispensável elemento subjetivo que faz o elo de ligação entre a conduta do paciente e o fato delituoso em si.

5. Recurso a que se nega provimento.

(RHC n. 18.667/DF, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 9/10/2012, DJe de 19/10/2012.) Grifo nosso.


Questão da FGV

A Lei nº 7.492/1986 define os crimes contra o sistema financeiro nacional. 

Acerca dela e da interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça, é correto afirmar que: 

(A) contempla modalidade específica de colaboração premiada, reconhecendo, em favor do coautor ou partícipe que revelar toda a trama delituosa em confissão espontânea, a redução de sua pena de um a dois terços; 

(B) a obtenção, mediante fraude, de financiamento em instituição financeira para a aquisição de uma motocicleta tipifica o crime de estelionato previsto no Código Penal, haja vista a ausência de efetivo ou potencial abalo ao sistema financeiro; 

(C) são penalmente responsáveis, nos termos da lei em questão, a pessoa jurídica, o controlador e os administradores, assim considerados os diretores e gerentes; 

(D) a competência da Justiça Federal é afastada se o crime for praticado no âmbito de bancos públicos estaduais; 

(E) o crime de gestão temerária é próprio e não admite o concurso de terceiros que não tenham poderes de administração, controle e direção da instituição financeira.

Gabarito: A

A instauração de incidente de insanidade mental não suspende o curso da prescrição penal, eis que não há previsão normativa nesse sentido

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STJ

A instauração de incidente de insanidade mental não suspende o curso da prescrição, eis que não há previsão normativa nesse sentido.


Ementa

RECURSO ESPECIAL. PENAL. AMEAÇA E LESÃO CORPORAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. SUSPENSÃO DO CURSO DA PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior orienta no sentido de que, em observância ao princípio da legalidade, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal, o que não ocorre no caso de instauração de incidente de insanidade mental, em que não há previsão normativa de suspensão do curso da prescrição.

2. Não se pode criar, por via interpretativa, causa suspensiva da prescrição vinculada a incidente instaurado no curso da ação penal, tendo em vista a inexistência de norma legal conferindo o vindicado efeito a simples incidentes processuais.

3. Não é possível equiparar os incidentes processuais instaurados perante o mesmo juízo, no curso da ação penal, com a pendência de questão prejudicial em "outro processo", prevista no art. 116, inciso I, do Código Penal como causa suspensiva da prescrição, pois se tratam de institutos com natureza jurídica completamente distintas.

4. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.904.590/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021.) Grifo nosso.


Questão da FGV

A respeito do fenômeno da prescrição, segundo a jurisprudência das Cortes Superiores, é correto afirmar que: 

(A) o cálculo do lapso temporal da prescrição da pretensão punitiva em abstrato deve incluir as agravantes ou atenuantes genéricas aplicáveis ao caso concreto; 

(B) o dia do começo não será computado na contagem do prazo prescricional; 

(C) o recebimento da denúncia oferecida em face de um dos autores do crime implicará a interrupção do curso da prescrição relativamente aos demais; 

(D) o acórdão condenatório interrompe o curso da prescrição somente na hipótese em que reforma sentença absolutória; 

(E) a instauração de incidente de insanidade mental é causa suspensiva do curso da prescrição.

Gabarito: C

O acórdão penal condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Tese fixada pelo STF

Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.


Ementa

HABEAS CORPUS. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado; prendendo-se à noção de perda do direito de punir por sua negligencia, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 2. O Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da decisão para fins de interrupção da prescrição. O acórdão que confirma a sentença condenatória, justamente por revelar pleno exercício da jurisdição penal, é marco interruptivo do prazo prescricional, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal. 3. Habeas Corpus indeferido, com a seguinte TESE: Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.

(HC 176473, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 27-04-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-224  DIVULG 09-09-2020  PUBLIC 10-09-2020) Grifo nosso.


Questão da FGV

A respeito do fenômeno da prescrição, segundo a jurisprudência das Cortes Superiores, é correto afirmar que: 

(A) o cálculo do lapso temporal da prescrição da pretensão punitiva em abstrato deve incluir as agravantes ou atenuantes genéricas aplicáveis ao caso concreto; 

(B) o dia do começo não será computado na contagem do prazo prescricional; 

(C) o recebimento da denúncia oferecida em face de um dos autores do crime implicará a interrupção do curso da prescrição relativamente aos demais; 

(D) o acórdão condenatório interrompe o curso da prescrição somente na hipótese em que reforma sentença absolutória; 

(E) a instauração de incidente de insanidade mental é causa suspensiva do curso da prescrição.

Gabarito: C

Até que sobrevenha lei destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da CF, as condutas homofóbicas e transfóbicas ajustam-se aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716/89

Julgado cobrado nas primeiras fases do TRF5 e do TRF1, para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizadas em 2025.

 

Teses fixadas pelo STF

I - Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”); 

II - A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; 

III - O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.


Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – EXPOSIÇÃO E SUJEIÇÃO DOS HOMOSSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E DEMAIS INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ A GRAVES OFENSAS AOS SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM DECORRÊNCIA DE SUPERAÇÃO IRRAZOÁVEL DO LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO À IMPLEMENTAÇÃO DOS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO INSTITUÍDOS PELO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII) – A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA DO PODER PÚBLICO – A SITUAÇÃO DE INÉRCIA DO ESTADO EM RELAÇÃO À EDIÇÃO DE DIPLOMAS LEGISLATIVOS NECESSÁRIOS À PUNIÇÃO DOS ATOS DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU DA IDENTIDADE DE GÊNERO DA VÍTIMA – A QUESTÃO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO” – SOLUÇÕES POSSÍVEIS PARA A COLMATAÇÃO DO ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL: (A) CIENTIFICAÇÃO AO CONGRESSO NACIONAL QUANTO AO SEU ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL E (B) ENQUADRAMENTO IMEDIATO DAS PRÁTICAS DE HOMOFOBIA E DE TRANSFOBIA, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME (QUE NÃO SE CONFUNDE COM EXEGESE FUNDADA EM ANALOGIA “IN MALAM PARTEM”), NO CONCEITO DE RACISMO PREVISTO NA LEI Nº 7.716/89 – INVIABILIDADE DA FORMULAÇÃO, EM SEDE DE PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, DE PEDIDO DE ÍNDOLE CONDENATÓRIA FUNDADO EM ALEGADA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, EIS QUE, EM AÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PERFIL OBJETIVO, NÃO SE DISCUTEM SITUAÇÕES INDIVIDUAIS OU INTERESSES SUBJETIVOS – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MEDIANTE PROVIMENTO JURISDICIONAL, TIPIFICAR DELITOS E COMINAR SANÇÕES DE DIREITO PENAL, EIS QUE REFERIDOS TEMAS SUBMETEM-SE À CLÁUSULA DE RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL (CF, art. 5º, inciso XXXIX) – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS REGISTROS HISTÓRICOS E DAS PRÁTICAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS QUE REVELAM O TRATAMENTO PRECONCEITUOSO, EXCLUDENTE E DISCRIMINATÓRIO QUE TEM SIDO DISPENSADO À VIVÊNCIA HOMOERÓTICA EM NOSSO PAÍS: “O AMOR QUE NÃO OUSA DIZER O SEU NOME” (LORD ALFRED DOUGLAS, DO POEMA “TWO LOVES”, PUBLICADO EM “THE CHAMELEON”, 1894, VERSO ERRONEAMENTE ATRIBUÍDO A OSCAR WILDE) – A VIOLÊNCIA CONTRA INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ OU “A BANALIDADE DO MAL HOMOFÓBICO E TRANSFÓBICO” (PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI): UMA INACEITÁVEL (E CRUEL) REALIDADE CONTEMPORÂNEA – O PODER JUDICIÁRIO, EM SUA ATIVIDADE HERMENÊUTICA, HÁ DE TORNAR EFETIVA A REAÇÃO DO ESTADO NA PREVENÇÃO E REPRESSÃO AOS ATOS DE PRECONCEITO OU DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS CONTRA PESSOAS INTEGRANTES DE GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS – A QUESTÃO DA INTOLERÂNCIA, NOTADAMENTE QUANDO DIRIGIDA CONTRA A COMUNIDADE LGBTI+: A INADMISSIBILIDADE DO DISCURSO DE ÓDIO (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, ARTIGO 13, § 5º) – A NOÇÃO DE TOLERÂNCIA COMO A HARMONIA NA DIFERENÇA E O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS – LIBERDADE RELIGIOSA E REPULSA À HOMOTRANSFOBIA: CONVÍVIO CONSTITUCIONALMENTE HARMONIOSO ENTRE O DEVER ESTATAL DE REPRIMIR PRÁTICAS ILÍCITAS CONTRA MEMBROS INTEGRANTES DO GRUPO LGBTI+ E A LIBERDADE FUNDAMENTAL DE PROFESSAR, OU NÃO, QUALQUER FÉ RELIGIOSA, DE PROCLAMAR E DE VIVER SEGUNDO SEUS PRINCÍPIOS, DE CELEBRAR O CULTO E CONCERNENTES RITOS LITÚRGICOS E DE PRATICAR O PROSELITISMO (ADI 2.566/DF, Red. p/ o acórdão Min. EDSON FACHIN), SEM QUAISQUER RESTRIÇÕES OU INDEVIDAS INTERFERÊNCIAS DO PODER PÚBLICO – REPÚBLICA E LAICIDADE ESTATAL: A QUESTÃO DA NEUTRALIDADE AXIOLÓGICA DO PODER PÚBLICO EM MATÉRIA RELIGIOSA – O CARÁTER HISTÓRICO DO DECRETO Nº 119-A, DE 07/01/1890, EDITADO PELO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA, QUE APROVOU PROJETO ELABORADO POR RUY BARBOSA E POR DEMÉTRIO NUNES RIBEIRO – DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL, PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS E FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO EXERCÍCIO DE SUA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL – A BUSCA DA FELICIDADE COMO DERIVAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITA DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – UMA OBSERVAÇÃO FINAL: O SIGNIFICADO DA DEFESA DA CONSTITUIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO CONHECIDA, EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, JULGADA PROCEDENTE, COM EFICÁCIA GERAL E EFEITO VINCULANTE – APROVAÇÃO, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DAS TESES PROPOSTAS PELO RELATOR, MINISTRO CELSO DE MELLO. PRÁTICAS HOMOFÓBICAS E TRANSFÓBICAS CONFIGURAM ATOS DELITUOSOS PASSÍVEIS DE REPRESSÃO PENAL, POR EFEITO DE MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO (CF, ART. 5º, INCISOS XLI E XLII), POR TRADUZIREM EXPRESSÕES DE RACISMO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL – Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”). NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE DIREITOS NEM SOFRER QUAISQUER RESTRIÇÕES DE ORDEM JURÍDICA POR MOTIVO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU EM RAZÃO DE SUA IDENTIDADE DE GÊNERO – Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica. Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero! Garantir aos integrantes do grupo LGBTI+ a posse da cidadania plena e o integral respeito tanto à sua condição quanto às suas escolhas pessoais pode significar, nestes tempos em que as liberdades fundamentais das pessoas sofrem ataques por parte de mentes sombrias e retrógradas, a diferença essencial entre civilização e barbárie. AS VÁRIAS DIMENSÕES CONCEITUAIS DE RACISMO. O RACISMO, QUE NÃO SE RESUME A ASPECTOS ESTRITAMENTE FENOTÍPICOS, CONSTITUI MANIFESTAÇÃO DE PODER QUE, AO BUSCAR JUSTIFICAÇÃO NA DESIGUALDADE, OBJETIVA VIABILIZAR A DOMINAÇÃO DO GRUPO MAJORITÁRIO SOBRE INTEGRANTES DE GRUPOS VULNERÁVEIS (COMO A COMUNIDADE LGBTI+), FAZENDO INSTAURAR, MEDIANTE ODIOSA (E INACEITÁVEL) INFERIORIZAÇÃO, SITUAÇÃO DE INJUSTA EXCLUSÃO DE ORDEM POLÍTICA E DE NATUREZA JURÍDICO-SOCIAL – O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL ENTRE A REPRESSÃO PENAL À HOMOTRANSFOBIA E A INTANGIBILIDADE DO PLENO EXERCÍCIO DA LIBERDADE RELIGIOSA – A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. TOLERÂNCIA COMO EXPRESSÃO DA “HARMONIA NA DIFERENÇA” E O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, POR REVESTIR-SE DE CARÁTER ABRANGENTE, ESTENDE-SE, TAMBÉM, ÀS IDEIAS QUE CAUSEM PROFUNDA DISCORDÂNCIA OU QUE SUSCITEM INTENSO CLAMOR PÚBLICO OU QUE PROVOQUEM GRAVE REJEIÇÃO POR PARTE DE CORRENTES MAJORITÁRIAS OU HEGEMÔNICAS EM UMA DADA COLETIVIDADE – As ideias, nestas compreendidas as mensagens, inclusive as pregações de cunho religioso, podem ser fecundas, libertadoras, transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias e subversivas, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais. O verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de expressão consiste não apenas em garantir o direito daqueles que pensam como nós, mas, igualmente, em proteger o direito dos que sustentam ideias (mesmo que se cuide de ideias ou de manifestações religiosas) que causem discordância ou que provoquem, até mesmo, o repúdio por parte da maioria existente em uma dada coletividade. O caso “United States v. Schwimmer” (279 U.S. 644, 1929): o célebre voto vencido (“dissenting opinion”) do Justice OLIVER WENDELL HOLMES JR.. É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento – e, particularmente, o pensamento religioso – não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que as ideias, especialmente as de natureza confessional, possam florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções antagônicas, a concretização de valores essenciais à configuração do Estado Democrático de Direito: o respeito ao pluralismo e à tolerância. – O discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações e manifestações que incitem a discriminação, que estimulem a hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral) contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, não encontra amparo na liberdade constitucional de expressão nem na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 13, § 5º), que expressamente o repele. A QUESTÃO DA OMISSÃO NORMATIVA E DA SUPERAÇÃO TEMPORAL IRRAZOÁVEL NA IMPLEMENTAÇÃO DE ORDENS CONSTITUCIONAIS DE LEGISLAR. A INSTRUMENTALIDADE DA AÇÃO DIRETA POR OMISSÃO NA COLMATAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA DO PODER PÚBLICO A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional (como aquela que deriva do art. 5º, XLI e XLII, de nossa Lei Fundamental) – qualifica-se como comportamento revestido de intensa gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados da Lei Fundamental. Doutrina. Precedentes (ADI 1.458- -MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). – Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente ou, então, do que a promulgar com o intuito de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes ou de grupos majoritários, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos ou, muitas vezes, em frontal desrespeito aos direitos das minorias, notadamente daquelas expostas a situações de vulnerabilidade. – A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, nesse contexto, tem por objetivo provocar legítima reação jurisdicional que, expressamente autorizada e atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela própria Carta Política, destina-se a impedir o desprestígio da Lei Fundamental, a neutralizar gestos de desprezo pela Constituição, a outorgar proteção a princípios, direitos e garantias nela proclamados e a obstar, por extremamente grave, a erosão da consciência constitucional. Doutrina. Precedentes do STF.

(ADO 26, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 13-06-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243  DIVULG 05-10-2020  PUBLIC 06-10-2020) Grifo nosso.


Questões da FGV

1) Dentre os princípios basilares do Direito Penal, está o da legalidade. 

Acerca dele, é correto afirmar, à luz da Constituição da República e da jurisprudência dos Tribunais Superiores, que: 

(A) o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ADO nº 26, expressamente excepcionou o princípio da legalidade e admitiu o emprego da analogia in malam partem, para equiparar as condutas homotransfóbicas aos crimes de racismo; 

(B) se admite que medidas provisórias tipifiquem penalmente comportamentos; 

(C) não se admite combinação de leis, salvo para beneficiar o réu; 

(D) tratados e convenções internacionais, ainda que ratificados, não têm o condão de, no direito interno, tipificar crimes e cominar penas, por conta do princípio da reserva legal; 

(E) leis complementares não podem tipificar penalmente comportamentos. 

Gabarito: D


2) Em determinada rede social, o perfil aberto destinado à promoção do turismo em um estado da Federação faz uma postagem que gera as seguintes reações: 

(i) Teresa comenta: “cambada de macumbeiro safado”; 

(ii) nos comentários José xinga Felipe, um homem trans, de “sapatão sem vergonha”; 

(iii) nos comentários Elisa xinga Maria, idosa, de “velha maluca”. 

Observada a legislação aplicável e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é correto afirmar que: 

(A) todos os crimes são de ação penal pública incondicionada; 

(B) há duas condutas que tipificam crimes imprescritíveis; 

(C) se aplica a pena em triplo a todos os crimes, porque praticados em rede social da rede mundial de computadores; 

(D) em todos os crimes, a pena será aumentada da metade se o crime for cometido mediante concurso de pessoas; 

(E) há uma conduta atípica.

Gabarito: B

Não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade

Julgado cobrado na primeira fase do TRF5 para o cargo de Juiz Federal Substituto, realizada em 2025.

 

Teses fixadas pelo STJ

Não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade.

Dessa maneira, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta. 


Ementa

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. ATENTADO AO RIOCENTRO. VIOLAÇÃO A DIREITOS HUMANOS. DÉCADAS DE 60, 70 E 80. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA. NECESSIDADE DE RECONCILIAÇÃO NACIONAL. OBSERVÂNCIA À SOBERANIA PÁTRIA. POSSIBILIDADE DE RECONSTRUÇÃO PELA PAZ. EXEMPLO DA ÁFRICA DO SUL. 2. RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. VIOLAÇÃO DO ART. 107, IV, DO CP. DISPOSITIVO QUE NÃO ABRANGE A CONTROVÉRSIA DOS AUTOS. IMPRESCRITIBILIDE DOS CRIMES DE LESA-HUMANIDADE. MATÉRIA CONSTANTE DE TRATADOS INTERNACIONAIS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE NORMA INTERNACIONAL VIOLADA. NORMA CONSTITUCIONAL PRÓPRIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DO VERBETE N. 284/STF. 3. ACÓRDÃO RECORRIDO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO NA ORIGEM. NÃO ENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE. CONCLUSÃO DO TRF/2ª REGIÃO FIRMADA COM BASE NO ARCABOUÇO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO NA VIA ELEITA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 4. ARQUIVAMENTO DO IP NA JUSTIÇA MILITAR. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA PELO STM. ANISTIA DA EC 26/1985. COISA JULGADA MATERIAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STF. 5. LEI DA ANISTIA. ADPF 153/DF. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, EM CASOS DIVERSOS. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM A ORDEM JURÍDICA INTERNA. COMPETÊNCIA DO STF. 6. SOBERANIA NACIONAL. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA. DECISÕES INTERNACIONAIS. DEVER DE HARMONIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBVERSÃO DA ORDEM INTERNA. 7. CRIME CONTRA A HUMANIDADE. CONCEITO TRAZIDO NO ART. 7º ESTATUTO DE ROMA. AUSÊNCIA DE LEI EM SENTIDO FORMAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ART. 5º, XXXIX, DA CF. TRATADO INTERNALIZADO EM 2002. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. AFRONTA AO ART. 5º, XL, DA CF. 8. CONVENÇÃO SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRIMES DE GUERRA E DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO PELO BRASIL. PEDIDO DE APLICAÇÃO COMO JUS COGENS. COSTUME INTERNACIONAL RESPEITADO E PRATICADO. ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA PELO STF. INAPLICABILIDADE DO JUS COGENS ASSENTADA NA EXTRADIÇÃO 1.362/DF. 9. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. PREMISSA DE STATUS DE SUPRALEGALIDADE. TRATADO NÃO INTERNALIZADO DE ACORDO COM O ART. 5º, § 3º, DA CF. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM A CF. 10. TRATADOS INTERNACIONAIS NÃO INTERNALIZADOS. OBSERVÂNCIA NA ORDEM INTERNA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, § 2º, DA CF. PRINCÍPIO DA UNIDADE E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE. SOBERANIA ESTATAL E SUPREMACIA DA CF. IMPOSSIBILIDADE DE SUBVERSÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. OFENSA A OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 11. NORMAS PRESCRICIONAIS. DIREITO PENAL MATERIAL. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. PRESCRITIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 12. A ADMISSÃO DO JUS COGENS NÃO PODE VIOLAR PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM O ORDENAMENTO PÁTRIO. RESGUARDO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. FINALIDADE PRINCIPAL DOS DIREITOS HUMANOS. IMPOSSIBILIDADE DE TIPIFICAR CRIME SEM LEI PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE DE RETIRAR A EFICÁCIA DAS NORMAS PRESCRICIONAIS. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIOS CAROS AO DIREITO PENAL. 13. CONCLUSÃO QUE NÃO DIMINUI O COMPROMISSO DO BRASIL COM OS DIREITOS HUMANOS. PUNIÇÃO APÓS QUASE 40 ANOS. NÃO RESTABELECIMENTO DE DIREITOS VIOLADOS. VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DE IGUAL MAGNITUDE. AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SEGURANÇA JURÍDICA. COISA JULGADA MATERIAL. LEGALIDADE E IRRETROATIVIDADE. 14. OFENSA AOS ARTS. 347 E 348 DO CP. RECURSO CONHECIDO NO PONTO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA NATUREZA PERMANENTE DOS TIPOS PENAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRIMES INSTANTÂNEOS. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 15. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO.

1. Considerações preliminares: A matéria trazida nos presentes autos é de extrema relevância, haja vista ter, de fato, havido graves violações a direitos humanos durante as décadas de 60, 70 e 80.

Contudo, não há uma única forma de reconstrução após crises como a ocorrida no Brasil. Na verdade, as experiências de reconciliação nacional, em vários países do mundo, foram diversas, respeitando-se sempre a cultura e a soberania de cada país. Emblemática é, por exemplo, a experiência de justiça restaurativa na África do Sul sob a direção do estadista Nelson Mandela e coordenação do arcebispo Desmond Tutu. O processo transicional, do regime racista do apartheid para a democracia multirracial, ocorreu de forma negociada e pacífica. A criação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação promoveu o encontro de vítimas, familiares, ofensores e representantes das comunidades locais para discutirem sobre as violações dos direitos humanos praticadas durante o sistema segregacionista. Nesses encontros, os violadores reconheciam os seus erros, pediam perdão às famílias ou aos seus familiares e se responsabilizavam pelas consequências materiais dos seus atos lesivos. Essas foram as condições necessárias para a declaração de anistia aos ofensores naquele país.

2. Admissibilidade: O exame do recurso especial deve se ater à matéria efetivamente submetida ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que "o recurso especial possui fundamentação vinculada, de modo que não cabe ao STJ imiscuir-se em questões que não lhe tenham sido devolvidas especificamente". (AgInt no AREsp 1325685/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019). O recorrente aponta violação ao art. 107, IV, do CP, por considerar que "os delitos imputados aos ora recorridos devem ser tomados como crimes de lesa-humanidade na linha dos diplomas internacionais, e, por conseguinte, imprescritíveis".

Contudo, a norma infraconstitucional apontada como violada não tem o alcance pretendido. Não se aborda, na referida norma, a imprescritibilidade (tema previsto na Lei maior e em tratado não internalizado). Constata-se, portanto, a falta de correlação entre a norma apontada como violada e a discussão efetivamente trazida nos autos, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial. "A indicação de preceito legal federal que não consigna em seu texto comando normativo apto a sustentar a tese recursal e a reformar o acórdão impugnado padece de fundamentação adequada, a ensejar o impeditivo da Súmula 284/STF" (REsp n. 1.715.869/SP, Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 7/3/2018).

3. A ordem foi concedida pelo Tribunal de origem, por maioria, reconhecendo a ocorrência da prescrição, "em virtude de os fatos não se enquadrarem nos crimes contra a humanidade". Dessa forma, ainda que o recorrente tivesse indicado o dispositivo correto, que trata da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, seu exame não teria o condão de desconstituir o acórdão proferido pela Corte local, porquanto fundamentado na não configuração de crime de lesa-humanidade. Inviável, outrossim, aferir se os fatos narrados se inserem na categoria de crime contra humanidade, uma vez que o recorrente não apontou igualmente violação a dispositivo legal, ou mesmo supralegal, que albergue referida discussão. Ademais, desconstituir a conclusão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que possui amplo espectro de cognição dos fatos e provas juntadas aos autos, demandaria o revolvimento fático-probatório, o qual é vedado na via eleita, nos termos do enunciado n. 7/STJ.

4. Preliminares de mérito: O STM, por mais de uma vez, "inadmitiu o prosseguimento de inquérito instaurado para apurar o atentado do Riocentro, e fez mais, decretou a extinção de punibilidade de todos os envolvidos, face a anistia deferida pela Emenda Constitucional 26/1985". Como é cediço, "a decisão que declar[a] extinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito em julgado e produz efeitos. A adoção do princípio do ne bis in idem pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as garantias individuais previstos pela Constituição da República, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que o direito à liberdade, com apoio em coisa julgada material, prevalece sobre o dever estatal de acusar". (HC 86606, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 22/05/2007, DJe 2/8/2007). Precedentes outros do STF na mesma direção. Assim, caso fosse acolhida a tese recursal do MPF, deveria este Colegiado examinar, previamente e de ofício, o tema da coisa julgada material (matéria de ordem pública, que foi expressamente analisada pela Corte de Origem). Recorde-se:

em favor do acusado, sempre é possível a concessão da ordem de habeas corpus até mesmo de ofício.

5. Os fatos, ocorridos em 30/4/1981, estão albergados pela anistia trazida no art. 4º, § 1º, da EC n. 26/1985, promulgada pela própria Assembleia Nacional Constituinte, a qual reafirmou a Anistia de 1979. Não se pode descurar, ademais, que a Lei n. 6.683/1979 foi considerada constitucional pelo STF, no julgamento da ADPF n. 153/DF, embora estejam pendentes de julgamento embargos de declaração. Nada obstante, conforme explicitado pelo Ministro Alexandre de Moraes, Relator da Rcl n. 18.686/RJ, "essa decisão, proferida no âmbito de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, é dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 10, § 3º da Lei 9.882/99)". Nessa linha de entendimento, cabe ao STF verificar os efeitos da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia") vs Brasil, bem como no Caso Herzog e outros vs Brasil, com a consequente harmonização da jurisprudência relativa à Lei de Anistia, o que é objeto também da ADPF n. 320/DF, da relatoria do eminente Luiz Fux.

6. Conclusão que não revela resistência ao cumprimento das decisões proferidas pela CIDH, ou reticência em exercer o controle de convencionalidade, porquanto a submissão à jurisdição da CIDH não prescinde da devida harmonização com o ordenamento pátrio, sob pena de se comprometer a própria soberania nacional. A soberania é fundamento da República Federativa do Brasil e justifica a Supremacia da CF na ordem interna. Dessa forma, o cumprimento das decisões proferidas pela CIDH não pode afrontar a CF, motivo pelo qual se faz mister sua harmonização, sob pena de se subverter nosso próprio ordenamento, negando validade às decisões do Supremo Tribunal Federal, em observância a decisões internacionais.

7. Mérito: O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/7/1998, porém apenas passou a vigorar em 1º/7/2002, sendo internalizado por meio do Decreto n. 4.388, de 25/9/2002. No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008. Diante da ausência de lei interna tipificando os crimes contra a humanidade, rememoro que o STF já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade - art. 5º, XXXIX, da CF (exemplo: tipo penal de organização criminosa trazido na Convenção de Palermo). Dessa maneira, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta. Ademais, cuidando-se de tratado que apenas passou a vigorar no Brasil em 25/9/2002, tem-se igualmente, na hipótese, o óbice à aplicação retroativa de lei penal em prejuízo do réu, haja vista o princípio constitucional da irretroatividade, previsto no art. 5º, XL, da CF.

8. A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade é anterior aos fatos narrados.

Contudo, não foi ratificada pelo Brasil, não foi internalizada nem como norma supralegal. Nada obstante, no presente julgamento se pretende demonstrar que sua observância independe de ratificação, por se tratar de norma jus cogens que, nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da Ext. n. 1.362/DF, "é um costume internacional, respeitado e praticado" e, segundo o Ministro Luiz Fux, no mesmo julgamento, "talvez a melhor Corte para dizer se o jus cogens se aplica ou não é o Supremo Tribunal Federal". No referido julgamento, se considerou inaplicável o jus cogens, prevalecendo o entendimento no sentido de que a qualificação do crime como de lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, uma vez que, conforme voto vencedor do saudoso Ministro Teori Zavascki, "somente lei interna (e não convenção internacional, muito menos aquela sequer subscrita pelo Brasil) pode qualificar-se, constitucionalmente, como a única fonte formal direta, legitimadora da regulação normativa concernente à prescritibilidade ou à imprescritibilidade da pretensão estatal de punir, ressalvadas, por óbvio, cláusulas constitucionais em sentido diverso, como aquelas inscritas nos incisos XLII e XLIV do art. 5º de nossa Lei Fundamental".

9. Ainda que se admita o jus cogens, na contramão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Extradição n. 1.362/DF, o controle de convencionalidade exercido pelo STJ, com a finalidade de aferir se a legislação infraconstitucional está em dissonância com o disposto no tratado internacional sobre direitos humanos, deve se harmonizar com os princípios e garantias constitucionais. Com efeito, não se pode perder de vista que o tratado possui status supralegal, porém infraconstitucional, porquanto não internalizado nos termos do art. 5º, § 3º, da CF. Conclusão em sentido contrário violaria não apenas o disposto no referido dispositivo da Constituição da República, mas também a jurisprudência consolidada do STF sobre o status dos tratados sobre direitos humanos, bem como inviabilizaria o exame dos temas pelo STJ.

10. Considerando se estar diante de controle sobre Convenção admitida como jus cogens, entendo que sua observância na ordem jurídica interna, se legitima a partir do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, o qual dispõe que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Nesse contexto, diante do princípio da unidade da constituição - o qual impõe a necessidade de harmonização de eventuais contradições existentes entre as normas constitucionais -, bem como do princípio da máxima efetividade - que visa conferir a maior efetividade possível aos direitos fundamentais -, entendo que a observância aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos deve ser compatibilizada com os princípios constitucionais da legalidade e da irretroatividade.

Assim, a aplicação da Convenção não poderia tipificar crimes nem alcançar fatos anteriores à Constituição de 1988, que legitimou sua aplicação, sob pena de revelar verdadeira afronta à própria soberania estatal e à supremacia da Constituição da República, subvertendo por completo o ordenamento jurídico pátrio e com malferimento de inúmeros outros direitos fundamentais, a pretexto de protegê-los.

11. Não se coaduna, igualmente, com a ordem constitucional vigente, admitir a paralisação da eficácia da norma que disciplina a prescrição, com o objetivo de tornar imprescrítiveis crimes contra a humanidade, por se tratar de norma de direito penal que demanda, da mesma forma, a existência de lei em sentido formal. Ademais, se deve igual observância ao princípio da irretroatividade. "A chamada 'Constituição Cidadã' busca a construção de uma sociedade livre e justa, conferindo amparo a um vasto rol de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Em um Estado de Direito, deve ser equilibrada pela lei a relação entre o Estado e os cidadãos, como forma de garantir que estes não serão vítimas do arbítrio do poder coercitivo estatal. Nesse sentido, a imprescritibilidade ameaça as garantias fundamentais de segurança jurídica e até mesmo da ampla defesa, pois submete o cidadão à eterna ameaça da repressão estatal, sem preocupar-se com os efeitos do tempo sobre os elementos probatórios que envolvem os fatos criminosos, sobre o acusado e sobre a repercussão social do crime". (CALIXTO, Clarice Costa.

Portanto, não é possível tornar inaplicável o disposto no art. 107, IV, do CP (norma violadora e não violada), em face do disposto na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, sob pena de se vulnerar o princípio constitucional da legalidade e da irretroatividade, bem como a própria segurança jurídica, com consequências igualmente graves, em virtude da mitigação de princípios relevantes à própria consolidação do Estado Democrático de Direito.

12. Conclusão: A admissão da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade como jus cogens não pode violar princípios constitucionais, devendo, portanto, se harmonizar com o regramento pátrio. Referida conclusão não revela desatenção aos Direitos Humanos, mas antes observância às normas máximas do nosso ordenamento jurídico, consagradas como princípios constitucionais, que visam igualmente resguardar a dignidade da pessoa humana, finalidade principal dos Direitos Humanos. Nesse contexto, em observância aos princípios constitucionais penais, não é possível tipificar uma conduta praticada no Brasil como crime contra humanidade, sem prévia lei que o defina, nem é possível retirar a eficácia das normas que disciplinam a prescrição, sob pena de se violar os princípios da legalidade e da irretroatividade, tão caros ao direito penal.

13. O não reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes narrados na denúncia não diminui o compromisso do Brasil com os Direitos Humanos. Com efeito, a punição dos denunciados, quase 40 anos após os fatos, não restabelece os direitos humanos supostamente violados, além de violar outros direitos fundamentais, de igual magnitude:

segurança jurídica, coisa julgada material, legalidade, irretroatividade, etc.

14. Pedido Subsidiário: No que diz respeito à alegada ofensa aos arts. 347 e 348, ambos do CP, a argumentação trazida no recurso especial não encontra óbice ao seu conhecimento. Porém, a insurgência não merece prosperar. Com efeito, o recorrente pretende demonstrar que os crimes de fraude processual e de favorecimento pessoal têm natureza de crime permanente, motivo pelo qual o prazo prescricional, com relação ambos, ainda não teria se implementado.

Contudo, é uníssona na doutrina, bem como na jurisprudência, a classificação dos referidos crimes como instantâneos, motivo pelo qual não é possível igualmente acolher o pleito subsidiário do recorrente.

15. Dispositivo: Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido.

(REsp n. 1.798.903/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 25/9/2019, DJe de 30/10/2019.) Grifo nosso.


Questão da FGV

Dentre os princípios basilares do Direito Penal, está o da legalidade. 

Acerca dele, é correto afirmar, à luz da Constituição da República e da jurisprudência dos Tribunais Superiores, que: 

(A) o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ADO nº 26, expressamente excepcionou o princípio da legalidade e admitiu o emprego da analogia in malam partem, para equiparar as condutas homotransfóbicas aos crimes de racismo; 

(B) se admite que medidas provisórias tipifiquem penalmente comportamentos; 

(C) não se admite combinação de leis, salvo para beneficiar o réu; 

(D) tratados e convenções internacionais, ainda que ratificados, não têm o condão de, no direito interno, tipificar crimes e cominar penas, por conta do princípio da reserva legal; 

(E) leis complementares não podem tipificar penalmente comportamentos. 

Gabarito: D